O Ministério dos Povos Indígenas estuda e dialoga com órgãos do governo federal sobre como será a redação das regras de um projeto de lei que está sendo elaborado pela União com o objetivo de criar um mecanismo para indenizar fazendeiros proprietários de terras demarcadas como indígenas. O texto deve ter como base o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao Correio do Estado, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Luiz Eloy Terena, informou que as trativas entre o MPI e os demais ministérios do governo estão sendo feitas para se chegar a uma definição de um projeto de lei que possa determinar a indenização.
“Internamente no governo ainda estamos conversando como é que vamos fazer isso [projeto de lei], a ministra [Sonia Guajajara] já teve algumas conversas com o Ministério do Planejamento, porque envolve recursos, falamos com a Advocacia-Geral da União e com o ministro das Relações Institucionais, mas ainda estamos desenhando qual será o instrumento pelo qual vamos dar efetividade à demarcação de terras”, explicou Eloy.
Ainda em processo de alinhamento com o governo federal, o Ministério dos Povos Indígenas tem o interesse de apresentar uma forma de instrumentalizar a indenização aos fazendeiros, deixando claro que respeitará os parâmetros apresentados pelo Supremo Tribunal Federal.
No dia 27 de setembro, o STF encerrou o julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, rejeitando a tese que queria limitar à data de promulgação da Constituição Federal o período para que uma área fosse considerada indígena.
Os ministros também aprovaram novas diretrizes para serem aplicadas pelo Judiciário em casos de disputas de terras, entre elas a indenização a proprietários de boa-fé.
A nova tese aprovada pelo STF diz que proprietários de terras que ocupam os espaços de boa-fé, ou seja, que adquiriram terras de forma legal, têm direito a indenização, a ser paga pela União, tanto por benfeitorias quanto pela terra nua.
A indenização vale para proprietários que receberam dos governos federal e estadual títulos de terras que posteriormente foram consideradas áreas indígenas.
Esse processo de indenização, conforme decisão do Supremo, será realizado à parte do processo de demarcação das terras indígenas, assim como o ministro Cristiano Zanin sugeriu em seu voto.
O advogado sul-mato-grossense Eloy Terena, nascido na aldeia indígena Ipegue, em Aquidauana, informou que o Estado é prioridade no que se trata do processo demarcatório e indenizatório, como forma de solucionar os conflitos pelas terras.
“Recebemos o presidente da Famasul há duas semanas e, em todas as nossas conversas, a gente tem dito isso que Mato Grosso do Sul é prioridade nesse processo indenizatório”, informou.
DEMARCAÇÕES
Em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 33 terras com a posse dos indígenas confirmada (sendo quatro homologadas e 29 regularizadas). Há também outras 17 em estudo, 11 declaradas e quatro delimitadas, ou seja, são 32 pretendidas.
As fases do processo de demarcação de terras indígenas são as seguintes: estudo, delimitação, declaração, homologação, regularização (após o decreto presidencial) e interdição (usada para povos indígenas isolados, sem nenhum caso em MS).
GABINETE DE CRISE
O Ministério dos Povos Indígenas criou grupo para relatar violências e violações de direitos dos guarani-kaiowá, presentes na região sul do Estado, assim como para avaliar medidas que mirem a pacificação dos conflitos locais, entre elas o avanço na demarcação dos territórios indígenas em Mato Grosso do Sul.
Tendo sido instituído no mês passado, conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), o gabinete de crise deverá acompanhar a situação no sul do Estado para propor medidas pacificadoras.
Esse gabinete tem a participação da ministra Sonia Guajajara, além da secretaria-executiva de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas e da Funai, e será coordenado pelo Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas.
O gabinete contará com membros convidados de diversas entidades, como Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, governo do Estado de Mato Grosso do Sul, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Aty Guasu Guarani Kaiowá, entre outros.
Em entrevista ao Correio do Estado, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, informou que o recém-criado gabinete de crise também deverá propor formas de indenização aos proprietários de terras demarcadas, nos moldes estabelecidos pelo STF.
“O Ministério dos Povos Indígenas vem tratando a demarcação com muita seriedade, tendo as conversas necessárias com a bancada federal, inclusive com os setores representantes do agronegócio, e, a partir dos parâmetros definidos pelo STF, vamos começar a trabalhar, sim, com a efetivação de um instrumento para o pagamento das indenizações”, declarou Eloy.
Ainda de acordo com Eloy Terena, já existe nesse gabinete uma iniciativa para a retomada de demarcações de terras indígenas, principalmente na região do Cone Sul de Mato Grosso do Sul.
“O MPI, junto da Funai, está fazendo uma força-tarefa para que equipes do grupo de trabalho liderado por antropólogos retornem a campo para concluir estudos demarcatórios. Isso já está na previsão para serem disponibilizados recursos ainda neste ano”, informou Eloy Terena.
O grupo foi criado após a morte de Sebastiana Galton e de Rufino Velasque, líderes espirituais indígenas, na aldeia Guassuty, em Aral Moreira.
Um dos estados com mais conflitos envolvendo indígenas, Mato Grosso do Sul concentrou 39% das 1.367 mortes de lideranças indígenas no Brasil entre 2003 e 2019, conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Após o veto do presidente Lula a trechos do projeto de lei que instituía o marco temporal, no dia 20 de outubro, a bancada ruralista afirmou que se articula para derrubar os atos do governo e retomar o texto do marco temporal, para que as terras indígenas se restrinjam à área ocupada pelos povos na data de promulgação da Constituição Federal, em 1988.
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