Publicado em 06/11/2023 às 16:30, Atualizado em 06/11/2023 às 14:20

Governo federal prepara lei para indenizar fazendeiros donos de terras demarcadas

Luiz Eloy Terena confirmou que MS, um dos estados com mais registros de conflitos por terras no País, terá prioridade

Redação,

O Ministério dos Povos Indígenas estuda e dialoga com órgãos do governo federal sobre como será a redação das regras de um projeto de lei que está sendo elaborado pela União com o objetivo de criar um mecanismo para indenizar fazendeiros proprietários de terras demarcadas como indígenas. O texto deve ter como base o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Ao Correio do Estado, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), Luiz Eloy Terena, informou que as trativas entre o MPI e os demais ministérios do governo estão sendo feitas para se chegar a uma definição de um projeto de lei que possa determinar a indenização.

“Internamente no governo ainda estamos conversando como é que vamos fazer isso [projeto de lei], a ministra [Sonia Guajajara] já teve algumas conversas com o Ministério do Planejamento, porque envolve recursos, falamos com a Advocacia-Geral da União e com o ministro das Relações Institucionais, mas ainda estamos desenhando qual será o instrumento pelo qual vamos dar efetividade à demarcação de terras”, explicou Eloy.

Ainda em processo de alinhamento com o governo federal, o Ministério dos Povos Indígenas tem o interesse de apresentar uma forma de instrumentalizar a indenização aos fazendeiros, deixando claro que respeitará os parâmetros apresentados pelo Supremo Tribunal Federal.

No dia 27 de setembro, o STF encerrou o julgamento do marco temporal para demarcação de terras indígenas, rejeitando a tese que queria limitar à data de promulgação da Constituição Federal o período para que uma área fosse considerada indígena.

Os ministros também aprovaram novas diretrizes para serem aplicadas pelo Judiciário em casos de disputas de terras, entre elas a indenização a proprietários de boa-fé.

A nova tese aprovada pelo STF diz que proprietários de terras que ocupam os espaços de boa-fé, ou seja, que adquiriram terras de forma legal, têm direito a indenização, a ser paga pela União, tanto por benfeitorias quanto pela terra nua.

A indenização vale para proprietários que receberam dos governos federal e estadual títulos de terras que posteriormente foram consideradas áreas indígenas.

Esse processo de indenização, conforme decisão do Supremo, será realizado à parte do processo de demarcação das terras indígenas, assim como o ministro Cristiano Zanin sugeriu em seu voto.

O advogado sul-mato-grossense Eloy Terena, nascido na aldeia indígena Ipegue, em Aquidauana, informou que o Estado é prioridade no que se trata do processo demarcatório e indenizatório, como forma de solucionar os conflitos pelas terras.

“Recebemos o presidente da Famasul há duas semanas e, em todas as nossas conversas, a gente tem dito isso que Mato Grosso do Sul é prioridade nesse processo indenizatório”, informou.

DEMARCAÇÕES

Em Mato Grosso do Sul, de acordo com dados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), existem 33 terras com a posse dos indígenas confirmada (sendo quatro homologadas e 29 regularizadas). Há também outras 17 em estudo, 11 declaradas e quatro delimitadas, ou seja, são 32 pretendidas.

As fases do processo de demarcação de terras indígenas são as seguintes: estudo, delimitação, declaração, homologação, regularização (após o decreto presidencial) e interdição (usada para povos indígenas isolados, sem nenhum caso em MS).

GABINETE DE CRISE

O Ministério dos Povos Indígenas criou grupo para relatar violências e violações de direitos dos guarani-kaiowá, presentes na região sul do Estado, assim como para avaliar medidas que mirem a pacificação dos conflitos locais, entre elas o avanço na demarcação dos territórios indígenas em Mato Grosso do Sul.

Tendo sido instituído no mês passado, conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), o gabinete de crise deverá acompanhar a situação no sul do Estado para propor medidas pacificadoras.

Esse gabinete tem a participação da ministra Sonia Guajajara, além da secretaria-executiva de Direitos Ambientais e Territoriais Indígenas e da Funai, e será coordenado pelo Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Fundiários Indígenas.

O gabinete contará com membros convidados de diversas entidades, como Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ministério de Direitos Humanos e Cidadania, Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, governo do Estado de Mato Grosso do Sul, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Aty Guasu Guarani Kaiowá, entre outros.

Em entrevista ao Correio do Estado, o secretário-executivo do Ministério dos Povos Indígenas, Eloy Terena, informou que o recém-criado gabinete de crise também deverá propor formas de indenização aos proprietários de terras demarcadas, nos moldes estabelecidos pelo STF.

“O Ministério dos Povos Indígenas vem tratando a demarcação com muita seriedade, tendo as conversas necessárias com a bancada federal, inclusive com os setores representantes do agronegócio, e, a partir dos parâmetros definidos pelo STF, vamos começar a trabalhar, sim, com a efetivação de um instrumento para o pagamento das indenizações”, declarou Eloy.

Ainda de acordo com Eloy Terena, já existe nesse gabinete uma iniciativa para a retomada de demarcações de terras indígenas, principalmente na região do Cone Sul de Mato Grosso do Sul.

“O MPI, junto da Funai, está fazendo uma força-tarefa para que equipes do grupo de trabalho liderado por antropólogos retornem a campo para concluir estudos demarcatórios. Isso já está na previsão para serem disponibilizados recursos ainda neste ano”, informou Eloy Terena.

O grupo foi criado após a morte de Sebastiana Galton e de Rufino Velasque, líderes espirituais indígenas, na aldeia Guassuty, em Aral Moreira.

Um dos estados com mais conflitos envolvendo indígenas, Mato Grosso do Sul concentrou 39% das 1.367 mortes de lideranças indígenas no Brasil entre 2003 e 2019, conforme o Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Após o veto do presidente Lula a trechos do projeto de lei que instituía o marco temporal, no dia 20 de outubro, a bancada ruralista afirmou que se articula para derrubar os atos do governo e retomar o texto do marco temporal, para que as terras indígenas se restrinjam à área ocupada pelos povos na data de promulgação da Constituição Federal, em 1988.