O Brasil chega hoje a 400 mil mortos pela covid-19 com um patamar ainda alto de óbitos diários e índices de mobilidade crescentes, o que, para especialistas, aumenta o risco de o País ter uma terceira onda da pandemia antes de atingir a imunidade de rebanho pela vacina.
Para cientistas especializados em epidemiologia e virologia ouvidos pelo Estadão, a reabertura precipitada das atividades econômicas antes de uma queda sustentada de casos, internações e mortes favorece que as taxas de transmissão voltem a crescer, com risco maior do surgimento de novas variantes de preocupação.
Com isso, o intervalo entre a segunda e uma eventual terceira onda seria menor do que o observado entre o primeiro e o segundo picos.
"Nos níveis em que o vírus circula hoje, esse período entre picos pode ser abreviado, sim. Já vimos esse efeito em algumas localidades na virada do ano.
A circulação em níveis altos favorece isso", diz o virologista Fernando Spilki, coordenador da Rede Coronaômica, força-tarefa de laboratórios faz o monitoramento genético de novas cepas.
Em 2020, o número de casos e mortes começou a cair entre julho e agosto para ter novo aumento a partir de novembro.
O surgimento de uma nova cepa do vírus (P.1) em Manaus colapsou o sistema amazonense em janeiro e provocou a mesma catástrofe em quase todos os Estados do País entre fevereiro e março.
Os últimos dois meses foram os piores da pandemia até aqui. No ano passado, o País demorou quase cinco meses para atingir os primeiros 100 mil mortos, outros cinco meses para chegar aos 200 mil e dois meses e meio para alcançar as 300 mil vítimas.
A triste marca dos 400 mil óbitos veio apenas 36 dias depois.
E os dados dos últimos dias indicam que a queda das internações e mortes iniciada há três semanas já estagnou.
O mais provável agora é que os índices se estabilizem em níveis elevados, com 2 mil a 3 mil mortes diárias, ou voltem a crescer, projeta o estatístico e pesquisador em saúde pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Leonardo Bastos.
"Agora era a hora de segurar mais, fazer uma reabertura mais lenta e planejada. Esse aumento de mobilidade e contato entre as pessoas pode levar a uma manutenção do número de hospitalizações em um patamar super alto, o que é péssimo, porque sobrecarrega o sistema de saúde. Do jeito que está, a questão não é se vai acontecer uma nova onda, mas quando", diz o especialista.
Como exemplo de como uma nova variante pode provocar grandes surtos em um intervalo curto de tempo, o especialista da Fiocruz cita o caso do Rio.
Ele considera que o Estado já viveu três ondas. Além da primeira, entre maio e junho de 2020, os municípios fluminenses sofreram um segundo pico em dezembro, com o surgimento da variante P.2, e uma nova alta em março deste ano, com a emergência da P.1.
"Talvez a próxima onda não seja síncrona em todo o País, mas poderemos ter surtos em diferentes locais", opina Bastos.
Para Spilki, o aumento nas taxas de mobilidade e relaxamento das medidas de proteção não só elevam as taxas de transmissão como facilitam o surgimento de variantes mais transmissíveis ou letais.
"A variante P.1 e outras não são entes estáticos, podem evoluir e se adaptar a novos cenários com o espaço que vem sendo dado para novos casos", diz ele.
Desde novembro, relata o especialista, já foram identificadas oito novas variantes originadas no Brasil.
O epidemiologista Paulo Lotufo, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), também destaca que, mesmo com a queda de casos e mortes nas últimas três semanas, o Brasil está longe de vislumbrar um controle da pandemia.
"Houve arrefecimento do número de casos e mortes pelas medidas de distanciamento social realizadas às duras custas.
No momento, o retorno às outras fases de distanciamento é preocupante, principalmente na próxima semana, com aumento da procura de lojas pelo Dia das Mães e, também pela frequência maior de encontros sem a proteção necessária, como já aconteceu no Natal", alerta.
Os especialistas acham improvável que a imunização consiga contemplar a maioria da população antes de uma nova onda.
"A vacinação segue lenta, com interrupções e falhas de esquema, como falta de doses para reforço, o que é mais um complicador no que tange a frear a disseminação e evolução de variantes", comenta o virologista.
Para os cientistas, as medidas necessárias para minimizarmos o risco de um novo tsunami de casos e mortes são as mesmas preconizadas desde o início da pandemia: uso de máscara (de preferência PFF2), distanciamento social, preferência por ambientes ventilados, rastreamento e isolamento de pessoas infectadas, além da aceleração da campanha de vacinação, que esbarra na escassez de doses.
Conteúdo - Estadão
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.