Um dos grandes desafios impostos pela pandemia da COVID-19 ainda é entender o comportamento do novo coronavírus (SARS-CoV-2), um agente infeccioso até então desconhecido e que já contaminou mais de 28 milhões de pessoas em todo mundo. Nesse cenário, até mesmo a máscara — usada geralmente por pessoas doentes fora deste contexto pandêmico — se tornou um item obrigatório em muitas regiões, como forma profilática (para não se contaminar) e para evitar propagação do vírus.
Em paralelo, pesquisadores e cientistas reviram séculos de literatura médica sobre como o mundo lidou com outras pandemias, como a gripe espanhola e a varíola, em busca de pistas para controlar a COVID-19. Agora, uma equipe da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, apresenta uma interessante ideia sobre o uso das máscaras e seus múltiplos efeitos na proteção contra o agente infeccioso.
Publicado no New England Journal of Medicine (Nejm), o artigo aponta que o uso obrigatório e universal das máscaras em ambientes públicos reduz a taxa de transmissão do coronavírus, mas também poderia estimular uma maior imunidade e até mesmo resultar em casos menos graves da doença.
Casos de varíola e máscaras?
A ideia dos pesquisadores surge de um processo antigo conhecido pelo nome de variolação. Essa foi uma forma de inoculação, ainda pré-vacina, contra a varíola, que usava um composto diluído com este vírus para desencadear nas pessoas uma infecção mais leve e que a levaria a ter imunidade vitalícia contra o agente infeccioso da doença, sem precisar "sofrer".
Dessa forma, a pessoa entrava em contato apenas com uma dose pequena do vírus e isso a impedia de ficar gravemente doente. Esse composto continha uma carga viral suficiente apenas para que o sistema imunológico do indivíduo desenvolvesse anticorpos para proteção futura. Quando usada, a variolação costumava ser feita com as secreções de uma pessoa infectada que os médicos inseriam em um corte de outra pessoa saudável.
A partir disso, a pesquisadora Monica Gandhi apresenta a hipótese de que o uso de máscara, por todas as pessoas e em todos os possíveis contatos, pode evitar que as pessoas contraiam formas mais severas da COVID-19 e, em alguns casos, também funcione como um método de inoculação do coronavírus. Isso porque, se uma pessoa entra em contato com esse vírus, usando a máscara, ela deve contrair pelo menos uma versão mais moderada da infecção, já que foi exposta a uma menor carga viral, por assim dizer, filtrada.
Entretanto, Gandhi lembra que essa é apenas uma hipótese e, provavelmente, continuará sendo para sempre. Afinal, para a confirmação seria necessário um estudo controlado e cego, onde um grupo de participantes precisaria ser exposto a um vírus mortal sem máscara, enquanto o outro estaria com máscaras. O que é antiético e, portanto, não seria nem cogitado.
“É como estudar preservativos para prevenção do HIV”, ilustra Gandhi sobre um possível estudo em que parte dos participantes teriam relações sexuais com outras pessoas positivas (para o HIV), em busca de se comprovar que esse vírus não é transmitido com o uso de preservativo. Simplesmente, não faz sentido.
Caso dos hamsters na Síria
Por outro lado, há uma série de dados observacionais que sugerem que a taxa de infecções da COVID-19 assintomáticas, ao contrário das sintomáticas, é mais significativa em áreas com maior uso de máscaras de proteção. Nesse sentido, uma pesquisa simulou o efeito do uso de máscaras em hamsters, na Síria, e descobriu que, com essa simulação, os roedores tinham menos probabilidade de se infectarem.
Na verdade, esses resultados reafirmam a importância do uso de máscaras de forma praticamente universal, enquanto a pandemia da COVID-19 permanecer ativa. Afinal, segundo a hipótese apresentada, o uso das máscaras não só diminui a transmissão viral e as taxas de contágio, como também resulta em casos mais leves da infecção pelo coronavírus e, possivelmente, assintomáticos. O que, por sua vez, descadeia imunidade nessas pessoas.
No entanto, muitas dúvidas permanecem sobre o comportamento do coronavírus. Por exemplo, estudos ainda não definiram qual seria a dose necessária desse vírus para desencadear uma doença mais severa e outra mias branda. Em outras palavras, não é recomendável, em nenhuma hipótese, se expor de forma gratuita ao agente infeccioso em busca de proteção. Até porque pesquisadores ainda discutem se há ou não proteção duradoura contra a COVID-19.
Voltando para a história do combate à varíola, “as pessoas definitivamente contraíram varíola e morreram de variolação”, lembra a virologista Angela Rasmussen, da Universidade Columbia, nos EUA, sobre um método feito na época — com as tecnologias possíveis — que também causou danos para a saúde pública. É, por isso, que a melhor resposta contra a COVID-19 continua sendo se prevenir.
Fonte: Canaltech
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.