A Câmara dos Deputados aprovou na última terça-feira, dia 13 de dezembro, um projeto de lei que cria a chamada Lei Orgânica das Polícias e dos Bombeiros, com normas sobre organização, prerrogativas e proibições para as categorias. O texto segue para o Senado.
Os deputados retiraram os pontos mais polêmicos da proposta, que davam autonomia às PMs para tomarem decisões sem o aval dos governadores.
Com isso, houve consenso até com os partidos de oposição ao governo Jair Bolsonaro (PL) – que, antes, eram contrários ao projeto.
Na avaliação de parlamentares que participaram da articulação, o projeto não avançou em propostas bolsonaristas, o que demonstra uma derrota da ala mais radical do atual governo.
Inicialmente, deputados bolsonaristas queriam criar uma estrutura hierárquica de generais, com tenentes-generais, major-generais e brigadeiros-generais. Esses dispositivos, bastante criticados por especialistas e opositores ao atual governo, também foram retirados.
Militares armados em eventos políticos
Durante a votação da matéria, os deputados alteraram o texto para permitir que os militares em atividade compareçam armados a eventos político-partidários.
A versão do texto que será analisada pelos senadores prevê proibição apenas nas situações em que o militar esteja fardado. O projeto original proibia o porte de armas nesses eventos, independentemente do traje do militar.
A proposta vem sendo discutida desde 2001 pelos deputados. No ano passado, a Câmara decidiu acelerar a votação e colocou o texto para tramitar em regime de urgência.
Sem autonomia para as PMs
Após muita articulação, a proposta foi aprovada com orientação favorável inclusive de partidos da oposição, como PT, PCdoB e PSOL, que inicialmente eram contrários à matéria.
A matéria foi aprovada de forma simbólica, sem contagem voto a voto – método usado apenas quando há consenso sobre o texto.
Alguns pontos retirados diziam respeito às competências das polícias e dos bombeiros e, também, sobre registro de armas para policiais militares.
No ano passado, o relator da matéria, deputado Capitão Augusto (PL-SP), havia divulgado um parecer preliminar com dispositivos que foram duramente criticados por especialistas de segurança pública. Entre eles, trechos que conferiam certa autonomia aos policiais militares em relação aos governadores como:
mandato de dois anos para os comandantes-gerais;
nomeação de lista tríplice elaborada pelos oficiais; e
restrições para exonerações antes do prazo.
Após críticas, os trechos foram retirados por Capitão Augusto.
Para justificar a aprovação do texto, o relator afirma que atualmente há um vácuo na legislação e que a norma que trata do tema é de 1969, ou seja, quase 20 anos antes da promulgação da Constituição.
Isabel Figueiredo, pesquisadora e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), concorda que é preciso uma lei orgânica para atualizar a norma hoje vigente, que foi estabelecida na época da ditadura militar.
Por isso, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública chegou a encaminhar ao governo de transição um anteprojeto com sugestões para trabalhar de forma orgânica todas as polícias e focar na atualização e profissionalização das forças de segurança.
Figueiredo, contudo, critica o projeto em votação na Câmara, diz que ele foi construído “a portas fechadas" e que as instituições especializadas em segurança pública só foram procuradas depois que o texto já tinha sido elaborado.
“A quem interessa esse projeto? Essa é a grande pergunta. Me parece que é um projeto que interessa apenas aos oficiais das policiais militares, não me parece nem que agrada aos praças. Não vejo elementos sobre melhoria de gestão, de benefícios à sociedade, de redução de custos”, disse.
Bacharelado em direito para chefes
A proposta também exige que os policiais que assumirem funções de comando, chefia, direção e administração superior na instituição (chamados de "Quadro de Oficiais de Estado Maior") tenham bacharelado em direito.
No caso dos bombeiros, também é exigida alguma graduação, mas os estados podem definir outras áreas além do direito.
Na avaliação do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), a medida reduz a diversidade dos quadros da corporação e “tende a enfraquecer seus processos de gestão, uma vez que não contarão mais com administradores, engenheiros e economistas".
Redes sociais e manifestações
A proposta coloca na lei a proibição para que os militares participem, ainda que no horário de folga, de manifestações político-partidárias ou reivindicatórias.
Além disso, o texto veda a divulgação de opinião político-partidária, publicamente ou pelas redes sociais, utilizando farda, patente, graduação ou símbolo da instituição.
A regra já é prevista em portarias e regulamentos em alguns estados, mas o relatório coloca a medida como regra geral. Para Isabel Figueiredo, as forças policiais têm se deparado com a politização das instituições e dos membros.
"Então você tem vácuos normativos em relação a isso. O comandante faz uma orientação no sentido de que não pode, mas você não consegue punir”, diz.
Ainda de acordo com a proposta, o militar em atividade não poderá estar filiado a partido político e sindicato, nem comparecer fardado em eventos políticos partidários, salvo se em ato de serviço.
Cargo de general
Um dos pontos incluídos na proposta aprovada é a previsão de que o cargo de inspetor-geral das Polícias Militares e dos Corpos de Bombeiros seja exercido por um oficial general da ativa, seguindo as mesmas regras do Exército Brasileiro.
Ainda de acordo com a proposta, o coronel nomeado para o cargo de Comandante-Geral, enquanto permanecer no cargo, terá, para fins de precedência e sinais de respeito, as prerrogativas de general de brigada.
A criação do cargo de general divide opiniões e em geral é criticada dentro das Forças Armadas, que hoje têm a exclusividade sobre esta patente.
Em 2019, por exemplo, a Advocacia Geral da União (AGU) chegou a entrar com uma ação na Justiça Federal para suspender o decreto do então governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel que criava o cargo de general na Polícia Militar e no Corpo de Bombeiros do estado.
Para Figueiredo, essa mudança parece um recado de que as polícias “continuam mirando nas Forças Armadas ao invés de focar na função delas, que é uma função eminentemente civil”.
"Para que serve criar posto de general? Se for somente para ter gente lá com mais poder, mas com peso, isso não faz sentido. É preciso pensar que medida essa estrutura se reverte em melhor serviço à sociedade, numa profissionalização das polícias”, disse.
Militares eleitos
A proposta também estabelece regras para o militar que se candidatar a um cargo elegível. No caso de menos de 10 anos de serviço, o militar candidato será afastado do serviço ativo no dia seguinte ao registro de sua candidatura na Justiça Eleitoral.
Já o militar com mais de 10 anos de serviço passa para a reserva remunerada apenas se eleito, no dia da sua diplomação, com remuneração proporcional ao tempo de serviço.
Ainda segundo o texto, o militar que tomar posse como suplente deve ser agregado no quadro enquanto durar o mandato temporário e deve escolher por uma das remunerações.
Vagas para mulheres
A proposta reserva, no mínimo, 20% as vagas nos concursos públicos para as candidatas do sexo feminino.
Na avaliação do FBSP, contudo, a redação acaba transformando as vagas em teto e não piso – o correto, segundo a organização, seria permitir que as mulheres concorressem a todas as vagas, sendo assegurado o preenchimento de, no mínimo, x% das vagas, além das conquistadas pela lista geral de classificação.
Na vagas para área de saúde, o texto diz que as candidatas do sexo feminino, além do percentual mínimo, concorrem a totalidade das vagas.
Polícia Judiciária Militar
Segundo o projeto, a polícia judiciária militar irá atuar nos crimes militares praticados pelos seus membros, na competência da Justiça Militar Estadual e do Distrito Federal.
O órgão poderá nomear militares auxiliares e, na ausência de peritos oficiais, nomear peritos ad doc (designadas para a função, apesar de não serem oficialmente peritos).
A penúltima versão do relatório previa a nomeação, por parte da autoridade da polícia judiciária militar, de militares para atividades de investigação e serviços auxiliares, além de peritos ad doc.
Isenção tributária
Segundo a proposta, o material de segurança pública das instituições militares – como armamentos, munições, explosivos, blindagens balísticas, equipamentos e munições menos letais e produtos controlados de uso restrito – adquirido no mercado nacional ou internacional terão isenção tributária.
Com informações do G 1
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