Publicado em 24/09/2012 às 16:26, Atualizado em 27/07/2016 às 11:24

Batalhas judiciais no TRE-MS colocam em dúvida pesquisas eleitorais em Campo Grande

Nova Notícias - Todo mundo lê

Redação, Midiamax

Além da disputa pelo voto, as eleições deste ano na capital sul-mato-grossense deflagraram uma guerra que envolve institutos de pesquisas, veículos de imprensa e as coligações partidárias.

Com as batalhas jurídicas, se tornaram comuns em Campo Grande as impugnações pela Justiça Eleitoral de levantamentos estatísticos que deveriam, teoricamente, se limitar a detectar tendências matemáticas.

A situação apimentou o debate sobre a credibilidade das pesquisas e resgatou velhas acusações sobre o uso político dos números para tentar influenciar a decisão dos eleitores. Não é de hoje que as pesquisas eleitorais são alvo de dúvidas.

Onda de impugnações

A atuação do TRE-MS (Tribunal Regional Eleitoral), provocada pelas reclamações dos candidatos, levantou questionamentos capazes de barrar a divulgação de resultados das pesquisas eleitorais e dividir opiniões sobre o quanto são críveis os institutos de pesquisa em Mato Grosso do Sul.

Inúmeras pesquisas eleitorais contratadas por candidatos de todos os lados já enfrentaram problemas com a justiça na eleição municipal de 2012 para escolher o próximo prefeito de Campo Grande. As coligações se degladiam apontando à justiça supostas pegadinhas comuns nas pesquisas.

Houve episódios dramáticos, com empresas de comunicação reclamando do que consideraram censura, e até outras desrespeitando decisões judiciais para divulgar resultados considerados fraudulentos pela Justiça.

Poder de convencimento

O mestre em matemática Charles Seife, professor de jornalismo na Universidade de Nova York, mostrou ao mundo ocidental com a obra “Os números (não) mentem”, lançada neste ano no Brasil, como os algarismos possuem um poder de convencimento poderoso e perigoso.

Segundo Seife, com os números certos, qualquer pessoa ou grupo pode interferir em eleições, promovendo ou derrubando candidatos, ou maquiar a eficiência de um produto, por exemplo. Ele chama de “falácias matemáticas” as técnicas que convencem multidões e tornam inverdades inquestionáveis para boa parte da população.

“Nossa sociedade hoje está submersa em falsidades numéricas. Usando um punhado de técnicas poderosas, milhares de pessoas forjam números sem fundamentos e nos fazem engolir inverdades. Anunciantes adulteram números para nos convencer a comprar seus produtos, políticos manipulam dados para se reeleger”, resume.

Juíza serena, mas rigorosa

No meio de todo o debate, com a serenidade de quem parece não saber o tamanho dos interesses envolvidos, a juíza eleitoral da 36ª Zona Eleitoral, Elizabeth Rosa Baisch, afirma que tem se limitado à simples aplicação rigorosa do que determina a Resolução 23.364 do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

O documento, de novembro do ano passado, define as regras para as pesquisas eleitorais nas eleições municipais de 2012 com algumas novidades que parecem ter pegado os institutos de surpresa, ou no contrapé.

“Não acho que tenhamos uma situação nova com relação às pesquisas. Apenas estou me atendo ao que diz a legislação. Se um candidato reclama, e é procedente, tenho agido como a lei determina”, minimiza a juíza.

No entanto, na prática, as decisões dela já são apontadas como um pesadelo nos comitês eleitorais dos candidados que participam das eleições municipais campo-grandenses.

“Já tem coligação querendo atrelar o pagamento da pesquisa somente à aprovação dos resultados pelo TRE. E, muita coisa que a gente sabia que antes passava, agora estamos tendo que adequar. Então, há sim uma situação nova para as pesquisas em Campo Grande”, confirma um empresário regional do setor de pesquisas de opinião que aceitou falar com a reportagem com a identidade preservada.

Interesse por trás

Ele admite que as negociações entre empresários de comunicação, candidatos ou grupos políticos, e as empresas de pesquisa, geralmente envolvem interesses eleitorais e levam em conta os efeitos dos números no eleitorado.

“Isso é uma coisa lógica. Se um jornal contrata uma pesquisa, é claro que vai ter um interesse por trás. Eu cansei de sentar para negociar pesquisa com o dono do jornal e o candidato dele do lado. Na maioria das vezes, quem contrata é o jornal, mas quem paga mesmo é um candidato”, revela.

“Tanto é, que a gente faz a pesquisa, apresenta os números, e só então o empresário decide se vai publicar ou não. Se não for favorável ao candidato que ele apoia, você acha que o jornal, tevê ou rádio, vai publicar? Então, se um jornal decide pela publicação ou não, já é porque sabe que o resultado vai interferir no jogo. O simples fato de não publicar uma pesquisa já é um ato tendencioso”, explica.

Segundo ele, é injusto crucificar os institutos de pesquisa pelos questionamentos que se tornaram comuns contra os levantamentos estatísticos eleitorais.

“A gente pode não ser tendencioso na metodologia, levantar direitinho, fazer tudo certo. Mas, de um jeito ou de outro, quando envolve a imprensa, qualquer decisão tomada já segue uma tendência, que é justamente aquela mais favorável ao candidato apoiado. Isso é normal”, diz.

Charles Seife confirma a informação do empresário sul-mato-grossense sobre os efeitos da divulgação ou ocultação dos resultados. “Pesquisas de opinião fingem ouvir o que temos a dizer e usam falácias matemáticas para nos dizer em que acreditar”, diz o pesquisador norte-americano.

Do lado dos empresários, no entanto, a importância das pesquisas para o pleito é minimizada.

Em agravo interposto no TRE-MS contra decisão da juíza Elizabeth que suspendeu o resultado da pesquisa registrada com o número MS-00124/2012, o jornal Correio do Estado, o mais antigo de Campo Grande em circulação, alegou que “não são as pesquisas eleitorais em si que exercem influencia positiva ou negativa sobre o eleitorado, mas sim a idoneidade do candidato e seu trabalho em prol da comunidade”.

Para a juíza, o debate é mais simples. “Eu estou apenas aplicando as normas que estão vigentes. E, se alguém não quer seguir as regras da Justiça Eleitoral, basta realizar suas sondagens como enquete, sem registro oficial, e fazerem como quiserem. Mas, se quiser ter o selo do TRE, então tem que seguir minhas regras, que estão bem claras na Resolução 23.364, do TSE”, avisa Baisch.

“No começo muita gente achou que podia até ter algum interesse dessa juíza, mas acho que ela está decidindo do mesmo jeito pra todos os lados. E isso, por si só, atrapalha muita gente. O jogo vai ficar cada vez mais assim, com a informação correndo mais rápido nas redes sociais, os barões da mídia perderam muito poder mesmo”, pondera o empresário.

Questionada a respeito de dúvidas que a atuação dela possa causar nos prejudicados, a calma da magistrada contrasta com o nervosismo que candidatos, militantes e empresários do setor de pesquisas e da mídia demonstram.

“Estou agindo de acordo com meu entendimento da legislação. São análises puramente técnicas, mas aceito com naturalidade se minhas decisões forem reformadas, pois isso faz parte da vida do juiz. Aceito também que questionem minhas sentenças, meu trabalho, pois sou humana e sujeita a falhas. Só não vou permitir que me ofendam”, diz.

Nas sentenças de impugnação que tem proferido, a juíza tem barrado algumas práticas dos institutos de pesquisa que, no entendimento dela, infringem a normatização do TSE com relação ao objetivo dos levantamentos e sobre o tratamento igualitário a todos os concorrentes.

Tudo pode mudar

Um dos pontos que tem causado impugnações é a prática de diversos institutos de questionarem aos entrevistados sobre em quem votariam em um eventual segundo turno citando como opções apenas os dois candidatos mais votados em pesquisas anteriores. Segundo ela, essa atitude, além de tratar desigualmente os outros candidatos, poderia representar propaganda subliminar.

Em uma das decisões mais recentes, a juíza observa que, após ser submetido por sete vezes ao nome de um candidato como certo no segundo turno, o entrevistado é submetido à pergunta: ‘Na sua opinião, independente do seu voto, quem você acha que será o futuro prefeito de Campo Grande?’

“Pesquisas anteriores não transitam em julgado de forma a permitir que se vá descartando os últimos colocados ou elevando ao pódio apenas o primeiro. A principio, a pesquisa apenas reflete aquele momento em que foi colhida a intenção de voto e nada mais. Até o dia das eleições, a intenção pode se modificar em razão de vários imponderáveis fatores, sendo improprio considerar eleição ganha antes do dia”, argumenta.

Datamax: ‘é bom esse rigor’

Carlos Eduardo Belinete Naegele, diretor do Instituto Datamax, que teve uma pesquisa impugnada pela juíza justamente pelo ensaio do segundo turno sem todos os candidatos, defende que, do ponto de vista da estatística, não haveria razão técnica para simular todos os cenários no segundo turno. “Tecnicamente falando, fica extenso o questionário e o entrevistado pode perder o foco”, diz.

Mesmo assim, o empresário concorda com a juíza sob o ponto de vista jurídico. “Entendo que, juridicamente falando, não tem como negar o direito de que, estando no pleito, um candidato possa ir para o segundo turno. Por isso, ao invés de recorrermos, resolvemos registrar nova pesquisa nos adequando à exigência da Justiça. Foi mais rápido”, conta.

Naegele, que também é empresário de comunicação, garante que o rigor da magistrada não atrapalha. “Como empresário, vejo com bons olhos essa atuação rigorosa da juíza. É preciso que a pesquisa retome seu espaço de aferição, e que não seja um negócio usado para tentar fortalecer candidaturas embalando ou fraudando resultados. Bo caso do Datamax, por exemplo, temos uma gestão técnica, sem interferência de qualquer fator externo”, diz.

Mercado milionário

Para a juíza, o rigor se justifica porque as pesquisas de opinião movimentam um mercado milionário que envolve profissionais das campanhas politicas e a mídia em geral se posicionando para que sejam usadas como ‘poderoso aliado de quem pretende alavancar artificialmente candidaturas’.

“É fato notório que, a reboque dos grandes escândalos, considerável parcela da população não se envolve ou não acredita nas propostas de campanha apresentadas. Este segmento, composto de indiferentes ou indecisos, forma o publico alvo dos profissionais das campanhas, que sabem muito bem que este tipo de eleitor ira escolher candidatos por aquilo que as pesquisas sinalizam sobre quem figura como vencedor na disputa para emocionalmente ‘não perder o voto’”, argumenta.

Segundo Elizabeth, é dever da justiça usar a legislação para evitar o abuso de poder. “Não adianta termos a democracia do voto, se estivermos sob uma ditadura das pesquisas”, conclui a magistrada.