Não há um dia sequer em que não morra um animal selvagem atropelado em trecho de 339 km da BR-262, que liga Campo Grande ao Pantanal. Os atropelamentos são de répteis, mamíferos e até mesmo de aves.
A média de 180 atropelamentos por mês no trecho do Pantanal da BR-262 faz parte de dados levantados pelo Instituto de Conservação de Animais Silvestres (Icas) ao longo de três anos, entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2020.
Nesse período, foram contabilizados 6.650 animais mortos (363 na lista de vulneráveis) entre Campo Grande e a ponte Poeta Manoel de Barros, sobre o Rio Paraguai. O estudo levou em consideração também outros trechos.
Por exemplo, foram 1.292 animais mortos entre Campo Grande e Água Clara (192 na lista de vulneráveis à extinção). A pesquisa ainda contabilizou 154 mortes no trecho entre Água Clara e Três Lagoas, porém esse levantamento corresponde ao período entre março de 2017 e fevereiro de 2018.
Além disso, a ameaça à natureza é ampliada porque mais de 10 espécies consideradas vulneráveis à extinção pelo Ministério do Meio Ambiente são atingidas diretamente. Dentro desse grupo, são 15 atropelamentos mensais, em média, que ocorrem entre a ponte Poeta Manoel de Barros, sobre o Rio Paraguai, até Água Clara.
Veículos, principalmente caminhões, deixam um rastro de morte de onças-pintadas, tamanduás-bandeira, raposinhas-do-mato, lobos-guará, cervos-do-pantanal, tatus-canastra, queixadas, onças-pardas, gatos-maracajá, cachorros-vinagre, entre tantos outros.
O trabalho envolveu uma iniciativa da organização para indicar o perigo que há para a vida selvagem no trecho. Esses são os números mais atualizados que foram computados metodologicamente.
Acrescenta-se a essa pesquisa o levantamento realizado pelo Instituto Homem Pantaneiro (IHP), que tem o programa Felinos Pantaneiros e desenvolve ações de coexistência entre as onças-pintadas e as comunidades, além do setor produtivo.
Conforme o IHP, entre 2016, quando o estudo passou a ser feito, até abril deste ano, já foram mortas 19 onças-pintadas, com diferentes idades, na BR-262, somente no trecho entre Miranda e Corumbá. O último atropelamento registrado ocorreu no dia 28 de abril. Só neste ano, três indivíduos foram atropelados praticamente na mesma região.
Em 27 de janeiro, um macho de 105 kg foi encontrado morto; depois, outro macho, de 108 kg, e, por último, uma fêmea.
No caso de animais de grande porte, como onças-pintadas, antas e tamanduás-bandeira, os atropelamentos, na grande maioria das vezes, são feitos por caminhões. Caso veículos de passeio atingissem espécies como essas, acidentes graves seriam registrados. No caso de caminhões, por conta do tamanho, esses veículos podem ter danos na lataria, porém, conseguem continuar rodando.
Na BR-262, rodovia pavimentada de principal acesso terrestre para Corumbá, onde está o maior porto seco do Centro-Oeste, responsável por operar importações e exportações, o fluxo diário de caminhões gira em torno de 500 veículos. Além de cargas direcionadas, há o transporte de minério de ferro extraído em minas localizadas no município.
“Durante três anos [2017-2020] monitorando quatro rodovias do Estado, o Projeto Bandeiras e Rodovias [Icas] registrou 12.400 animais silvestres envolvidos em colisões veiculares. Isso porque foram percorridas apenas 14% das rodovias asfaltadas, ou seja, se forem consideradas todas as rodovias do MS, esse número seria muito maior”, alertou o Icas.
Os problemas não estão concentrados apenas em mortes da fauna, pois ainda existem prejuízos para motoristas e empresas.
“Além da questão da segurança viária, no Brasil, as colisões veiculares com fauna geram um gasto anual de reparo veicular estimado em cerca de R$ 9,5 milhões, sem contar prejuízos para os administradores das vias e para a sociedade como um todo”, indicaram pesquisadores do Icas.
O material orientativo sobre redução de acidentes com a fauna foi realizado em parceria com a Rede Brasileira de Especialistas em Ecologia de Transportes (Reet Brasil), a Comissão de Meio Ambiente da OAB/SP, o Projeto Estrada Amiga da Fauna (ES), o ProHabitat, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e o Instituto Federal do Paraná.
Em trechos da BR-262 em território pantaneiro, houve instalação de radares e de cercas para tentar frear essas mortes, porém, essas medidas perderam força desde 2021 e praticamente não existem mais radares para forçar os motoristas a reduzirem a velocidade.
Em 2018, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) recebeu multa de R$ 8 milhões do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) por inoperância em medidas para evitar atropelamentos de animais selvagens entre Aquidauana e Corumbá.
Segundo técnico do IHP, a volta das chuvas neste ano no Pantanal e a cheia nos rios Miranda, Aquidauana e Paraguai influencia para que animais procurem trechos próximos à BR-262. Os bichos buscam áreas mais altas, e a rodovia e suas proximidades representam esse refúgio.
Atualmente, o instituto conduz levantamento para identificar se as pontes de vazante podem servir de passagem de vida selvagem. Há armadilhas fotográficas instaladas para analisar alguns trechos.
A Polícia Militar Ambiental e a Polícia Rodoviária Federal têm feito campanhas de orientação desde fevereiro na região de Miranda. Apesar dos esforços, os registros de atropelamentos prosseguem. Ainda não existem ações práticas para reduzir as mortes.
Fonte - Correio do Estado
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