A sentença proferida pelo juiz federal Sérgio Moro, responsável pelos processos da Lava Jato, envolvendo um sul-mato-grossense chamou a atenção de juristas de todo o país. A condenação do empresário e pecuarista José Carlos Bumlai, amigo pessoal do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi proferida por Moro e considerada uma 'aberração jurídica'. Ela violaria um dos princípios básicos do direito, o da dignidade da pessoa humana, pelo fato de ter sido feita em menos de dois minutos.
A discussão iniciou pelas redes sociais, por um dos principiais juristas do país: Lênio Streck. "Sentenças proferida por Sério Moro no Caso Bumlay: Alegações finais da defesa entraram dia 14. Conclusão ao juiz as 7h52min do dia 15. Sentença de 160 páginas dois minutos depois, as 7h54min. Bingo! Será necessário dizer algo? Há anos aviso que o solipsismo judicial acabaria com o direito. E a dogmática jurídica tradicional foi conivente. Quem esteve no Ibcrim do ano passado e assistiu minha palestra sabe do que estou falando! O Estado Democrático de Direito está em risco. Exceção em cima de exceção. Tudo em nome de argumentos finalisticos. A moral predou o direito. E com apoio de grande parte da comunidade jurídica. Os juristas estão canabalizando o direito! Isso não vai terminar bem"! (sic).
Diante desta polêmica, o TopMídiaNews procurou ouvir a opinião de juristas sobre este caso. Para o advogado constitucionalista Lucas Lemos Navarro, a decisão proferida por Sério Moro em dois minutos violaria um dos princípio básico do direito. Lemos afirma que o documento de 160 laudas apresentado pela defesa não seria capaz de ser analisado em dois minutos. "Isso seria humanamente impossível de ser analisado em tão curto espaço de tempo. E nos leva a crer que esta sentença condenatória já estava pronta e ele não quis saber das alegações finais da defesa. Isso é algo grave e uma violência à defesa. Essa decisão foi composta por erro pode ser denunciada na Corte dos Direitos Humanos Internacional".
Segundo Navarro, a decisão tomada por Moro, independentemente de quem quer que seja o réu, fere a dignidade da parte em sua totalidade. "A defesa está em xeque! O direito sagrado dado a ele pode trazer consequências gravíssimas. Qualquer pessoas com um nível de conhecimento mediano, pode ver, que o juiz não analisou as alegações finais".
Ao ser questionado se a decisão poderia ter cunho político, o advogado fala, que não pode dizer se houve interferências políticas, "mas juridicamente, o campo que tenho conhecimento, esta decisão foi uma aberração jurídica. Isso que o juiz fez, não existe no mundo jurídico. É uma aberração essa condenação". E continua, "se isso teve conotação política, feita por um tomador de decisão e se a peça foi afetada por influências de partidos políticos, posso dizer que pode ser considerado uma violação gravíssima da defesa e da dignidade humana, princípio básico previsto no início da Constituição, é um direito intrínseco garantido".
Outro ponto questionado ao advogado é se uma decisão feita pelo juiz poderia ser considerada com precedente para outros casos semelhantes. "Isso não pode ser encarado como um precedente jurídico porque se trata de uma aberração. Não é porque a pessoa é o Bumbai, mas poderia ser com qualquer outra pessoa. Quero crer que esta decisão já estava tomada, ela entrou e logo em seguida saiu a decisão e acho que isso foi um erro".
Navarro ainda ressalta que "um juiz jamais deveria fazer isso. Deveria ter analisado as alegações da defesa para saber se teve respaldo probatório do réu e só depois, tomaria uma decisão, mas isso não foi o que aconteceu. De qualquer forma, isso salta aos olhos. Ele condenou sem ler a defesa". E emenda, "certamente, a defesa do réu deve contestar essa decisão no recurso e alegar que houve falta de cerceamento da defesa. Foi cerceado às alegações finais e com isso a defesa por pedir a anulação da sentença neste caso", finaliza.
Mais opiniões
Outro a comentar foi o advogado Leonardo Avelino Duarte, que afirma que a decisão do juiz federal em que analisa uma defesa e dois minutos depois o processo está apto para ser concluso seria algo impossível de ler 160 páginas. "Não desejaria que os meus clientes tivessem uma decisão tomada desta forma", comentou.
Para Duarte, "objetivamente, esta decisão atinge os preceitos constitucionais do Direito, o contraditório e a ampla defesa. Nesses casos, se espera que o juiz dedique a atenção sobre os fatos e decida se acolhe ou não, os argumentos". E destaca que ficou a impressão de que "não foi apreciado minuciosamente as alegações finais e que ela foram ignoradas".
Mais prudente, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, da Seccional de Mato Grosso do Sul, Mansour Elias Karmouche, afirmou que o fato gerou polêmica. "Me parece que o Moro falou que não foi exatamente isso que aconteceu. Ele justificou e deu um outro entendimento sobre esse fato. Vejo que isso precisa ser apurado é claro que a gente espera que a Justiça seja célere, mas neste caso, creio possa ter havido algum erro no sistema, uma vez que ele mesmo disse que já tinha visto o processo. Ou seja, acho que isso precisa ser esclarecido".
Por fim, Sérgio Moro comentou sobre a polêmica iniciada por Lenio Streck. E destacou que houve uma distorção do caso. Veja o que ele disse: "Vale esclarecer os fatos ao jurista Lenio Streck. A ação penal 50615785120154047000 foi conclusa para sentença em 13/08/2016. Em 09/09/2016, sentença ja em elaboração, baixei em diligência para juntar cópia faltante do acordo de Nestor Cerveró e a bem da ampla defesa. Todos já sabiam do acordo mas era relevante a juntada do documento faltante. Foi então concedido prazo as partes para querendo complementarem suas alegações finais. Apenas ratificaram suas alegações, o que fizeram até 14/09/2016, sem nada inovar nas alegações anteriores. Em 15/09/2016, foi então prolatada a sentença. O registro da conclusão foi apenas para permitir o lançamento da sentença no sistema. Críticas são bem vindas a qualquer atuação de agentes públicos. Mas convém que os fatos sejam relatados como aconteceram e não com com distorção do ocorrido. Do contrário parece má-fé, o que imagino que não deve ter sido a intenção do jurista em questão".
Sobre o caso em si
O Juiz federal Sérgio Moro condenou o pecuarista, amigo do ex-presidente Lula, a 9 anos e 10 meses de prisão por gestão fraudulenta de instituição financeira e corrupção. Nos autos do processo, o pecuarista foi acusado de crimes no empréstimo de 12 milhões reais do banco Schahin para o PT em 2014.
O Grupo Schahin teria sido favorecido com um contrato de 1,6 bilhão de dólares sem licitação da Petrobras para operar o navio sonda Vitória 10.000, em 2009, segundo a investigação.
Em razão disso, Bumlai foi condenado a crime de gestão fraudulenta de instituição financeira, por ter contraído o empréstimo; por corrupção passiva por ter conseguido vantagem indevida no contrato com a estatal. Por outro lado, Moro absolveu Bumlai do crime de lavagem de dinheiro 'por falta de adequação típica'. Além dele, mais sete pessoas foram condenadas.
Conteúdo - Topmidia
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