Publicado em 09/05/2024 às 13:00, Atualizado em 08/05/2024 às 22:51

Mães denunciam tortura e cárcere em quartel de onde soldado “saiu para a morte”

Movimentos de advogados receberam relatos desesperados e querem providências da OAB-MS

Redação,
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Nilda Ibañez Acosta, de 42 anos, é consolada durante protesto em frente à quartel, na segunda-feira (6) (Foto: Fronteira News)

Mães de recrutas que receberam treinamento no 10º Regimento de Cavalaria Mecanizado, em Bela Vista (MS), procuraram grupos de advogados para denunciar práticas de tortura na unidade do Exército. Além disso, há relatos de jovens que ainda não conseguiram deixar o quartel desde a morte de Vinícius Ibañez Riquelme, de 19 anos, medida que foi classificada como cárcere privado.

A advogada Giselle Marques, coordenadora do movimento Juristas pela Democracia – MS, e o Lairson Palermo, do ADJC (Advogados e Advogadas em Defesa Democracia, Justiça e Cidadania), decidiram protocolar pedido de ajuda à OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil Seccional de Mato Grosso do Sul). “A gente quer que a Ordem monte uma comissão e vá até lá verificar o que está acontecendo”, afirma Giselle.

“As denúncias são gravíssimas. Os jovens que se alistam para servir o país estão sendo vítimas de tortura, segundo seus familiares. As mães estão desesperadas e temem se identificar devido a possíveis represálias”, completou a advogada.

Segundo a coordenadora dos Juristas pela Democracia, mãe chegou a relatar que recrutas foram amarrados a veículos e arrastados durante o treinamento que aconteceu entre os dias 22 e 26 de abril. Mães dos soldados também revelaram que os jovens foram obrigados a tomar água com barro e a comer cebola e limão com cascas, além da indicação de consumo de alho para quem não estava bem de saúde.

Manifestante segura cartaz durante protesto após morte de recruta (Foto: Fronteira News)

Manifestante segura cartaz durante protesto após morte de recruta (Foto: Fronteira News)

Os participantes ficaram incomunicáveis no período, mas quando foi realizada a formatura dos soldados, as famílias descobriram que vários deles estavam hospitalizados. Conforme o último dado que o Campo Grande News teve acesso, o saldo trágico do treinamento, dado a 180 recrutas, foi de uma morte e 89 militares que precisaram buscar atendimento médico.

Para Palermo, lesões encontradas no corpo de Vinícius não são compatíveis com as causada alegadas da morte – infecção por influenza e desidratação. “Recebemos uma foto estarrecedora do cadáver do falecido, o qual evidencia lesões incompatíveis com a versão de falecimento por gripe”, declarou.

A dupla de advogados vai protocolar pedido para a “adoção de providências urgentes e o empenho pessoal da presidência da instituição na apuração dos fatos”.

O que se sabe - A certidão de óbito de Vinícius Ibañez Riquelme atesta morte por realização de exercícios físicos rigorosos. Na causa da morte do jovem, também constam choque, necrose centro lobular, distúrbio hidroeletrolítico, desidratação e síndrome infecciosa.

De acordo com um médico nefrologista ouvido pela reportagem do campograndenews, quando a pessoa é submetida a exercício físico extenuante há grande sobrecarga muscular, levando a lesões nos músculos. O corpo começa então a liberar enzimas, podendo resultar em sobrecarga para os rins ou insuficiência renal aguda. Se o exercício físico for somado à desidratação essa sobrecarga é ainda pior.

Nessas condições, o sistema circulatório do paciente fica em desequilíbrio total, que pode levar à situação de choque (alterações na pressão, batimentos cardíacos). A certidão de óbito também mostra infecção.

No distúrbio hidroeletrolítico, os eletrólitos do corpo (sódio, magnésio, potássio, cálcio) entram em descontrole. O potássio, por exemplo, é ligado ao batimento cardíaco.

“Ele não conseguia urinar, a boca ressecada, não respirava direito. Estava desidratado ao extremo”, contou Nilda Ibañez Acosta, de 42 anos, sobre quando chegou ao Hospital de Bela Vista para ver o filho, no dia 26.

Em choque com a gravidade, ela tentou explicação médica para o quadro. “Um médico perguntou se o Vinícius tinha doença preexistente. Disse que era um menino saudável. O médico me falou que foi muito esforço, treinamento pesado, acima do limite e muita falta de água”.

O soldado foi transferido para a Santa Casa de Campo Grande, onde morreu em 27 de abril.