Publicado em 27/08/2021 às 09:05, Atualizado em 26/08/2021 às 17:20
A Sétima Turma do TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) reverteu decisão da justiça estadual de Mundo Novo, em Mato Grosso do Sul, que havia julgado improcedente pedido de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) feito por uma indígena portadora de HIV.
Com a decisão da Corte, que pontuou ter sido comprovado nos autos que a parte autora preenche os requisitos da deficiência e da miserabilidade, o INSS (ao Instituto Nacional do Seguro Social) deve conceder o auxílio a partir da data do requerimento administrativo, 23 de julho de 2018.
Embora o laudo médico pericial tenha considerado a mulher “clinicamente estável e sem impedimento físico, mental, intelectual ou sensorial de longo prazo para sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas”, a desembargadora federal Inês Virgínia, relatora do processo, entendeu que a mulher deve receber o benefício assistencial, conforme Súmula 78 da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU) e precedentes do TRF3.
O enunciado diz que, comprovado o diagnóstico de HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, para analisar a incapacidade em sentido amplo, em virtude da estigmatização da doença, detalhou a Corte.
“Como pode a requerente ser capaz de voltar aos seus afazeres ‘normais’ e até mesmo ser capaz para o trabalho, se, quando descobriu a doença, foi mandada embora? Como pode ter uma vida normal, se, no meio em que vive, é discriminada diariamente pela doença? Estamos aqui falando de uma doença autoimune, sem cura aparente e iminente, com um índice alto de preconceito”, ressaltou a desembargadora.
Ela observou também as dificuldades da profissão que a autora desempenhava, além de ela residir em localidade carente, não ter oportunidade de emprego e enfrentar rejeição da comunidade.
“O trabalho na lavoura, por si só, é exaustivo, ainda mais para uma pessoa portadora do vírus HIV. Como consta no laudo pericial, a requerente se queixa de ‘fraquezas e tonturas’, devido ao coquetel de medicamentos que faz uso para tratamento de sua enfermidade. Já sofre a estigmatização por ser indígena, somada ao fato de ser soropositiva”, pontuou.
O estudo social constatou que a família é composta pela autora, marido e três filhos menores. Eles residem em imóvel localizado na reserva indígena. A renda vem de programa assistencial e de diárias recebidas pelo esposo quando realiza serviços na região.
Como não foram apresentados os gastos mensais do núcleo familiar, a magistrada aplicou o princípio in dubio pro misero (interpretação mais favorável ao segurado). A desembargadora federal ponderou que a família não possui rendimento fixo, que o marido da autora também é portador do vírus HIV, além de considerar a quantidade de membros e as despesas domésticas e com medicamentos.
“Nota-se, portanto, a situação de vulnerabilidade enfrentada, sendo forçoso reconhecer o quadro de pobreza e extrema necessidade”, concluiu. (Com informações do TRF3)