Publicado em 13/08/2023 às 10:00, Atualizado em 12/08/2023 às 15:42
Decisão da 5ª Vara de Justiça Federal seguiu outros tribunais e autorizou paciente a plantar maconha
A 5ª Vara de Justiça Federal em Mato Grosso do Sul autorizou residente do Estado a plantar maconha. O cultivo, em quantidade controlada, visa a subsidiar tratamento de Saúde.
A decisão o limita ao plantio de 60 sementes de Cannabis sativa Lineu e 24 mudas da planta por ciclo e segue entendimento de outros tribunais do país. Publicada no último dia 4 de agosto, no Diário de Justiça Federal, a decisão consiste em habeas corpus que barra atos de autoridades policiais, como a apreensão das sementes.
O autor da ação informou que foi diagnosticado com transtornos de ansiedade generalizada e do pânico, para os quais seu médico indicou o uso de canabinoides como proposta terapêutica.
Ele obteve da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aval para importar o medicamento. Contudo, diante do alto custo, “pretende o próprio paciente produzir artesanalmente a substância, mediante o plantio, cultivo e extração de óleo para fins terapêuticos”. Assim, ele tenta plantar maconha para produzir o remédio por conta própria.
Desta forma, pela ação, ele solicitou salvo-conduto para importar, no mínimo, 60 sementes de maconha por ano. Assim, quer realizar o plantio e cultivo das mudas, extração e administração do medicamento. Para tanto, as autoridades não devem efetuar prisão em flagrante ou punição judicial.
Lei proíbe plantar maconha no país, mas há exceções
Em sua decisão, o juiz destacou haver proibição na lei brasileira para importar sementes e plantar maconha. Contudo, há exceção em casos de autorização legal e seguindo dispositivos internacionais.
As exceções, destacou, incluem plantio, cultura e colheita “exclusivamente para fins medicinais”. Isso é previsto no artigo 2º da lei federal 11.343/2006 (a Lei de Drogas).
Porém, nestes casos, deve haver um local predeterminado para a cultura e ser feita fiscalização.
De acordo com o juiz, o autor da ação apresentou “farta documentação comprobatória” dos males de ansiedade e pânico. Além disso, comprovou a indicação médica de uso medicinal de Cannabis.
A documentação incluiu referências ao uso da Cannabis “e melhora importante nos níveis de ansiedade”. Inclui ainda a prescrição do médico para uso do medicamento e autorização da Anvisa, válida até junho de 2025.
O juiz destacou que o TRF3 (Tribunal Regional Federal da 3ª Região) já decidiu pelo salvo-conduto para importação e uso de Cannabis. Isso, claro, “com finalidade exclusivamente medicinal”.
As decisões da Corte destacam impossibilidade de proibir o acesso à Saúde “diante da omissão do Poder Público em regulamentar o adequado acesso ao uso medicinal da cannabis”. Isso porque a Constituição prevê que a Saúde “é direito de todos e dever do Estado”. Além disso, destacam a falta de indicativos de uso recreativo ou ilícito da planta.
STJ já liberou plantio de maconha para uso medicinal
Não foi apenas o TRF3 quem autorizou o plantio de maconha para fins medicinais no país. Há, nos últimos anos – inclusive em 2023 – decisões autorizando o cultivo da Cannabis por pacientes. A 10ª Vara Federal de Brasília deu salvo-conduto para cultivo da maconha em situação similar à do paciente do Estado.
Decisões recentes do STJ (Superior Tribunal de Justiça) autorizaram o ato de plantar maconha como o salvo-conduto. Em 5 de junho, o ministro Reynaldo Soares da Fonseca decidiu que plantar cannabis para fins medicinais não configura tipicidade material. Isso autorizou salvo-conduto para uma paciente de fibromialgia.
O ministro Rogério Schietti Cruz, também do STJ, autorizou paciente do Paraná com ansiedade a plantar maconha. A intenção também é obter o óleo de cannabis, flores e extratos para o tratamento. No caso, ele alegou distúrbios do sono e dores estomacais.
Na análise, o juízo da 5ª Vara Federal reforçou que o paciente teve autorização para importar o medicamento, não podendo ser punido por sua situação econômica. “Seria desarrazoado permitir que importasse o produto industrializado, porém negar-lhe autorização para importar, cultivar e extrair o óleo medicamentoso por conta própria”.
“Por via oblíqua, tolher do paciente a pretensão exposta equivaleria a negar vigência a parcela do direito fundamental à saúde – direito de todos e dever do Estado, diga-se, consoante disposto no art. 196 da Constituição Federal –, cujo conceito, em seu sentido mais amplo, não se limita à ausência de doenças, mas um estado de bem-estar físico, mental e social”, prosseguiu.
O juiz apontou que o paciente conhece o processo de extração do óleo – ele fez curso na Universidade Federal de São Paulo. A grade curricular foi incluída na ação.
Decisão em MS limita plantio a 24 mudas por ciclo
Assim, a Justiça Federal autorizou a importação de 30 sementes por semestre, totalizando 60 por ano. Porém, a quantidade “poderá ser exasperada até o máximo de 120 sementes por ano”.
Contudo, em todo o caso, ele só poderá plantar maconha e cultivar até 24 mudas por ciclo da planta. E está autorizado a extrair o óleo de cannabidiol artesanalmente e o autoadministrar até 20 de junho de 2025. Na data, expira a autorização da Anvisa.
Os “resíduos do processo produtivo” devem ser usados como fertilizantes ou incinerados. Eles não poderão, “em hipótese alguma, ser descartados em meio a lixo comum”. O salvo-conduto impede que as Polícias Federal, Civil e Militar prendam ou processem o paciente.
As Polícias civil e Federal e à Vigilância Sanitária de Mato Grosso do Sul farão visitas regulares no endereço do paciente. A intenção é “acompanhar e manter controle da produção”.
Está prevista a perda de validade do salvo-conduto em algumas situações. Elas incluem a regulamentação do cultivo da maconha e desvio de uso (que inclua comercialização de insumos ou produtos, uso do óleo por terceiros).
Dificultar a fiscalização ou sentença para fornecer o remédio ao paciente também anulam o salvo-conduto.
Outra condição é o julgamento no Supremo Tribunal Federal da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.708. Movida pelo PPS (atual Cidadania), ela pede a descriminalização do uso medicinal da Cannabis. O julgamento está pausado desde setembro de 2022, nas mãos do relator, o ministro Luiz Fux.