Publicado em 05/02/2023 às 09:39, Atualizado em 05/02/2023 às 10:41
Repórter dizia ter sofrido humilhações públicas quando tentava entrevistar o desafeto que era amigo do dono da Globo
Impensável alguém se recusar a ser entrevistado por Glória Maria. Aparecer ao lado dela na TV era uma honra digna de ser incluída no currículo.
Houve uma exceção. Um homem demonstrava a quem quisesse ver o desprezo sentido pela jornalista. Chegou a mandar expulsá-la de eventos.
Último presidente militar da ditadura, o general João Batista Figueiredo (1918-1999) não suportava a coragem de Glória Maria para fazer perguntas incômodas.
“Ele me chamava de ‘aquela neguinha da Globo’, pra você ver o que é o racismo”, contou a jornalista no ‘Marília Gabriela Entrevista’ em março de 2015.
A edição foi reprisada na noite de sábado (4), no canal GNT, em homenagem à memória da icônica repórter, morta em 2 de fevereiro, aos 73 anos, por complicações de um câncer.
Glória Maria e o general Figueiredo tiveram um embate logo após o oficial do Exército vencer a eleição indireta à Presidência.
Em uma gravação, a jornalista pediu que ele repetisse uma declaração para a câmera da Globo. O militar se recusou. A insistência da repórter o deixou irritado.
Para piorar, Glória contou ter corrigido um erro gramatical do temido presidente. Enfurecido, ele ordenou que os seguranças a retirassem do local.
Depois daquele episódio, os encontros eram sempre tensos. “Quando eu chegava para cobrir as solenidades da Presidência, ele mandava me deixar muito longe.”
Para azar do general, os seguranças eram velhos conhecidos de Glória e a colocavam para se sentar bem na frente dele a fim de fazer perguntas.
“Quando me olhava, ele se transformava e mandava me retirar. Isso até os fins dos dias dele (como presidente, em 1985)”, relembrou a jornalista.
“Deus o tenha onde ele estiver, Deus o proteja. Era uma demonstração mais do que de racismo, de machismo. Ele era difícil.”
Marília Gabriela, que foi colega de Glória Maria no jornalismo da Globo e conheceu bem o derradeiro presidente de farda, concordou. “Uma mulher contrariando um general.”
Ironicamente, João Figueiredo era amigo de Roberto Marinho, fundador e então presidente da Globo. Se na época o general reclamou, foi ignorado. A repórter afirmava jamais ter sido censurada na emissora.