Publicado em 06/06/2020 às 16:30, Atualizado em 06/06/2020 às 14:02
Segundo a denúncia encaminhada pelo MP, as falas ditas em uma reunião com assessores representam crime de racismo contra todos os praticantes de religião de matriz africana.
O MPF (Ministério Público Federal) pediu nesta sexta-feira, dia 05 de junho, a abertura de um inquérito na Polícia Federal para apurar se o presidente da Fundação Cultural Palmares,, Sérgio Camargo, cometeu crime de racismo.
A investigação terá como base as declarações se Camargo, captadas em um áudio, em que o jornalista chama o movimento negro de "escória maldita", diz que não dará verba para "macumbeiro" e ofende uma mãe de santo que trabalhou na Palmares antes de ele assumir o cargo.
Na ocasião, Camargo também disse que Zumbi era "filho da puta que escravizava pretos", criticou o Dia da Consciência Negra e falou em demitir "esquerdista".
Segundo a denúncia encaminhada pelo MP, as falas ditas em uma reunião com assessores representam crime de racismo contra todos os praticantes de religião de matriz africana.
Na decisão de abrir o inquérito, o procurador Peterson de Paula Pereira pede que a PF apure os relatos, faça perícia no áudio da reunião e, se preciso, colha depoimento dos envolvidos.
A Polícia Federal tem 30 dias para instaurar o inquérito e deve concluir a apuração em até 90 dias, prorrogáveis por igual período.
A gravação
Na gravação, segundo a denúncia encaminhada ao MPF, Sérgio Camargo diz:
"Tem gente vazando informações aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta macumbeira, uma tal de mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo. [...] Não vai ter nada para terreiro na Palmares, enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo[...]”
Em razão dessas declarações, a Defensoria Pública da União também entrou com um recurso no Superior Tribunal de Justiça para retirar Sérgio Camargo da presidência da Fundação Palmares. O pedido ainda não foi julgado.
A Mãe Baiana citada por Camargo no áudio é Adna Santos, que atuou na Fundação Palmares entre 2014 e 2019 e atualmente é Coordenadora de Políticas de Promoção e Proteção da Diversidade Religiosa do governo do Distrito Federal.
Após a divulgação do áudio, Adna registrou ocorrência na Polícia Civil por injúria racial, discriminação racial e discriminação religiosa.
“O que o presidente da Palmares fez foi injúria, racismo religioso. [É mais chocante] ainda vindo dele, que está à frente de uma organização importante para o país e por ele ser um homem preto. Partir dele essa agressão contra uma mulher também preta, isso me entristeceu muito", disse Adna Santos ao G1 nesta quinta.
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Improbidade administrativa
O MPF no Distrito Federal também recebeu, nesta quinta (4), pedido de abertura de inquérito contra Sérgio Camargo por improbidade administrativa.
No ofício, o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, afirma que a conduta do presidente da Fundação Palmares na reunião, explicitada no áudio, revela "possível desvio de poder". Esse pedido ainda está em análise.
Além de criticar o movimento negro, Camargo afirma na gravação que vai exonerar servidores que não concordarem com a postura à frente da pasta. O trecho é citado no pedido de inquérito.
Histórico
A nomeação de Sérgio Camargo para a presidência da Fundação Cultural Palmares foi oficializada em 27 de novembro de 2019 e gerou uma série de críticas e indignação.
Numa publicação antes de ser nomeado para o cargo, o jornalista classificou o racismo no Brasil como "nutella". "Racismo real existe nos Estados Unidos. A negrada daqui reclama porque é imbecil e desinformada pela esquerda", afirmou.
Ele também postou, em agosto de 2019, que "a escravidão foi terrível, mas benéfica para os descendentes". "Negros do Brasil vivem melhor que os negros da África", completava a publicação
Sobre o Dia da Consciência Negra, Sérgio Camargo afirmou que o "feriado precisa ser abolido nacionalmente por decreto presidencial". Ele disse que a data "causa incalculáveis perdas à economia do país, em nome de um falso herói dos negros (Zumbi dos Palmares, que escravizava negros) e de uma agenda política que alimenta o revanchismo histórico e doutrina o negro no vitimismo".
Sérgio publicou uma mensagem numa rede social na qual disse que "sente vergonha e asco da negrada militante". "Às vezes, [sinto] pena. Se acham revolucionários, mas não passam de escravos da esquerda", escreveu.
Em 13 de maio, aniversário da Lei Áurea, Sérgio Camargo publicou artigos depreciativos a Zumbi no site oficial da instituição. Em redes sociais, disse que Zumbi é "herói da esquerda racialista; não do povo brasileiro. Repudiamos Zumbi!".
O MP apontou improbidade administrativa nos posts com críticas a Zumbi. O caso também é analisado pela Procuradoria da República no DF.
O que diz a Fundação Palmares
Veja, abaixo, nota enviada pela Fundação Cultural Palmares sobre o áudio da reunião:
O presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo, lamenta a gravação ilegal de uma reunião interna e privada. Assim, reitera que a Fundação, em sintonia com o Governo Federal, está sob um novo modelo de comando, este mais eficiente, transparente, voltado para a população e não apenas para determinados grupos que, ao se autointitularem representantes de toda a população negra, histórica e deliberadamente se beneficiaram do dinheiro público.
Infelizmente ainda existem, na gestão pública, pessoas que não assimilaram esta mudança e tentam desconstruir o trabalho sério que está sendo desenvolvido. Seguimos firmes em prol do Brasil e dos brasileiros! (Sérgio Camargo).
Fundação Cultural Palmares