Publicado em 27/04/2025 às 09:31, Atualizado em 27/04/2025 às 10:22

PF enquadra 11 entidades por fraude no INSS, mas há mais 20 suspeitas

Das 33 entidades que efetuaram algum desconto, 31 são suspeitas de cobrarem mensalidade irregular.

Redação,
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Arquivo - Trabalhadores rurais da Contag protestam em Brasília. Entidade é uma das investigadas pela Polícia Federal: Foto - Marcello Casal Jr/ABr

A investigação da Polícia Federal e da CGU (Controladoria Geral da União) sobre um golpe de até R$ 6,3 bilhões em aposentados e pensionistas enquadrou 11 entidades de classe, mas 31 são suspeitas de cobrarem "mensalidade associativa" sem autorização.

A mensalidade associativa é descontada do pagamento mensal do INSS a aposentados e pensionistas. Associações de aposentados e sindicatos assinaram Acordos de Cooperação Técnica com o INSS permitindo o desconto nos proventos dos beneficiários que, em troca de auxílio jurídico e assistência médica, por exemplo, autorizam o débito no aplicativo Meu INSS por meio de assinatura eletrônica e biometria.

Desconfiada de fraudes em 1.374 descontos entre 2016 e maio de 2024, a CGU procurou os beneficiários. Entre abril e julho do ano passado, o órgão entrevistou presencialmente 1.273 aposentados ou pensionistas para perguntar se eles haviam autorizado a cobrança. "Apenas 52 informaram estar filiados a uma entidade, e 31 autorizaram o desconto, indicando a possibilidade de 98% dos descontos serem indevidos", escreve a CGU no relatório que resultou dessas entrevistas e que municiou a Polícia Federal.

Das 33 entidades que efetuaram algum desconto, 31 são suspeitas de cobrarem mensalidade irregular. Para 21 entidades, 100% dos entrevistados disseram não ter autorizado o desconto. Para sete entidades, esse percentual variou de 71% a 99%, e, para as três restantes, essa proporção variou de 17% a 33%. A CGU realizou auditoria em 29 das 31 entidades. Questionada, informou que a auditoria antecedeu as entrevistas em campo.

A entidade com mais descontos sem autorização foi a CAAP, diz a CGU. A Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS, que promete auxílio psicológico, apoio jurídico e desconto em clinicas de saúde, realizou 214 descontos irregulares dos 215 efetuados, segundo o relatório. O UOL procurou a entidade, mas a CAAP não oferece telefone ou e-mail para a imprensa e os telefones para contato de associados são inválidos. O campo no site para envio de mensagem acusou "erro no servidor".

Todos os 72 descontos efetuados pela Unabrasil, antiga Unsbras, foram irregulares, diz a CGU. Em nota, a União Nacional dos Aposentados e Pensionistas do Brasil afirma que "a associação não praticou a atividade ostensiva de captação, prospecção e afiliação de seus associados, sendo tais atividades praticadas por empresas privadas diversas. Se qualquer fraude ocorreu, a associação é tão vítima quanto seus associados", diz em nota. "Havendo reclamação, a Unabrasil determina o imediato ressarcimento em dobro do valor indevidamente descontado. Desde abril de 2024 [a entidade] vedou qualquer nova afiliação até que seu compliance esteja em conformidade", continua a entidade, que critica a operação da PF, "já que os MESMOS FATOS são há mais de um ano investigados e esclarecidos" pela Polícia Civil de São Paulo.

Entre descontos regulares e indevidos, 19 entidades receberam mais de R$ 15 milhões entre 2016 e maio de 2024. Quem mais recebeu dinheiro foi a Contag, diz o relatório: R$ 2,9 bilhões entre 2016 e 2023. Em nota, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares diz ter "compromisso com a legalidade em todas as suas ações, e se coloca à disposição para colaborar com as investigações". "Ao longo dos seus 61 anos, a Contag sempre atuou com ética, responsabilidade e tem se empenhado ativamente no aperfeiçoamento da gestão e na fiscalização dos projetos e convênios que administra, sempre em conformidade com as normas legais."

A Contag é uma das 11 entidades que entraram na mira da Polícia Federal. Elas foram alvo de ação judicial na quarta-feira (23), que cumpriu 211 mandados de busca e apreensão em 34 municípios, prendeu cinco pessoas e resultou no afastamento do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, e de outros cinco servidores.

As 11 entidades foram escolhidas em razão de suspeitas mais robustas. Segundo os investigadores, algumas delas sequer tinham infraestrutura real para prestar os serviços prometidos, como descontos em academias, assistência jurídica e planos de saúde. Em diversos casos, houve falsificação de assinaturas para autorizar os descontos nas folhas de pagamento. Algumas delas não entregaram nem a documentação exigida.

Veja a 11 entidades:

1. Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos)

2. Sindnapi/FS (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos)

3. AAPB (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil)

4. AAPEN (Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional), ex-ABSP

5. Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura)

6. AAPPS Universo

7. Unaspub (União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos)

8. Conafer (Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais)

9. APDAP Prev (Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Apesentados e Pensionistas), ex-Acolher

10. ABCB/Amar Brasil (Associação Beneficente e Cultural Backman Nacional)

11. CAAP (Caixa de Assistência dos Aposentados e Pensionistas do INSS).

O que dizem as 31 entidades?

1. CAAP. Investigada pela PF, é suspeita de efetuar 214 descontos não autorizados. Procurada, não respondeu.

2. AAPEN. Suspeita de 210 descontos indevidos é uma das investigadas. Procurada, não respondeu.

3. Master Prev Clube de Benefícios. Suspeita de efetuar 97 descontos não autorizados, informou em nota que é regularmente constituída, cumpre a lei e presta "serviços lícitos e relevantes". "O procedimento de filiação observa rigorosamente todas as normas, contando com rígidos critérios de segurança e transparência, como a utilização de biometria", diz ela, que se compromete a prestar esclarecimentos em eventual investigação.

4. Cebap (Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas). Suspeita de 95 descontos irregulares. Procurada, não respondeu.

5. Ambec (Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos). Suspeita de 87 descontos indevidos e uma das 11 investigadas, não respondeu o UOL.

6. AAPB (Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil). Teria efetuado 82 descontos sem autorização. Uma das 11 investigadas, não se manifestou.

7. Unabrasil (União dos Aposentados e Pensionistas do Brasil). Foram 72 descontos irregulares, segundo a CGU. Procurada, a entidade lembrou que "possui sede conhecida, presidente, secretário, e um coletivo de funcionários próprios e operacionais, assim como um robusto programa de compliance", escreve em nota. "A própria auditoria realizada pelo INSS confirmou não apenas a existência da associação, como também a efetiva utilização pelos associados dos benefícios e produtos disponibilizados."

8. ABCB. Uma das investigas, é suspeita de efetuar 62 descontos indevidos. A defesa da ABCB diz que foi "surpreendida com o cumprimento de mandados de busca e apreensão, sem que tenha tido, até o momento" acesso à investigação. Diz, no entanto, que é regularmente constituída, "beneficiando seus associados com inúmeros serviços, os quais se filiam de forma transparente, em procedimento que conta com rígidos critérios, inclusive de biometria".

9. Conafer. Uma das 11 investigadas, não respondeu ao UOL sobre os supostos 56 descontos indevidos.

10. AAPPS Universo. Outra associação investigada pela PF, ela não respondeu ao UOL sobre os 52 descontos supostamente irregulares.

11. APDAP Prev. Outra investigada. Com 39 descontos supostamente irregulares, a entidade não se manifestou.

12. CBPA (Confederação Brasileira dos Trabalhadores de Pesca e Aquicultura). Suspeita de 32 descontos indevidos, a CBPA disse que seus mais de 1 milhão de pescadores filiados são "pessoas humildes, de hábitos simples, que num primeiro momento reconhecem a filiação a entidade mais próxima, geralmente a sua colônia de pesca". "A despeito disso, a CBPA cumpre regularmente o papel de oferecer a seus associados que fazem a contribuição confederativa a planos de benefícios (...) e reitera seu total apoio às instituições de controle brasileiras, que buscam proteger os aposentados de práticas fraudulentas", diz em nota.

13. Abapen (Associação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas da Nação). Suspeita de 27 descontos sem autorização, não respondeu à reportagem.

14. Unaspub. Outra investigada, a associação não se manifestou quando questionada sobre os 23 débitos supostamente indevidos.

15. AAB (Associação dos Aposentados do Brasil). A associação não se manifestou sobre a suspeita de 22 descontos irregulares.

16. Sindnapi/FS. Entidade investigada, ela teria realizado 20 descontos irregulares. Procurada, os telefones não atendem e o e-mail informado não funciona.

17. Asbrapi/Prevabrap (Associação Brasileira dos Aposentados, Pensionistas e Idosos). Não respondeu sobre as 18 suspeitas de desconto indevido.

18. Cobap (Confederação Brasileira de Aposentados, Pensionistas e Idosos). Teria efetuado 17 descontos sem autorização. Não respondeu ao UOL.

19. Sindiapi/UGT (Sindicato dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da União Geral dos Trabalhadores - UGT). Não se manifestou ao ser questionado sobre os 16 descontos supostamente irregulares.

20. Unibap (União Brasileira de Aposentados da Previdência). A entidade não se respondeu ao ser questionada sobre os 15 descontos efetuados sem autorização, segundo a CGU.

21. AP Brasil (Associação no Brasil de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social). Procurada, não se pronunciou sobre a suspeita de 11 descontos sem aval do aposentado ou pensionista.

22. Abenprev (Associação de Benefícios e Previdência). A entidade não se manifestou sobre a suspeita de efetuar 10 descontos irregulares.

23. Cinaap (Circulo Nacional de Assistência dos Aposentados e Pensionistas). Não respondeu o UOL sobre os 10 casos suspeitos.

24. Abrasprev (Associação Brasileira dos Contribuintes do Regime Geral da previdência Social). Suspeita de oito irregularidades, não respondeu após contato do UOL.

25. Asabasp (Associação de Suporte Assistencial e Beneficente para Aposentados, Servidores e Pensionistas do Brasil). Segundo a CGU, realizou ao menos cinco descontos indevidos. Procurada, afirmou em nota que "todas as suas práticas estão em plena conformidade com os ACT (Acordos de Cooperação Técnica) vigentes". "A Associação opera com total transparência e estrita observância dos termos estabelecidos nesses acordos, garantindo a regularidade de todos os seus procedimentos", afirma.

26. Contag. Investigada, a confederação nega as irregularidades sobre os cinco descontos supostamente indevidos. Lembra em nota que é formada por 27 Federações estaduais "e mais de 3.800 Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais".

27. Riaam Brasil (Rede Ibero-Americana de Associações de Idosos). A entidade não comentou os quatro supostos descontos efetuados irregularmente.

28. Sinab (Sindicato dos Aposentados do Brasil). O sindicato lembrou em nota que não é uma das empresas investigadas e que "apoia as investigações e espera que os culpados sejam identificados e punidos". Disse ainda que foi uma das entidades a alertar o INSS sobre "associações de fachada". Sobre os quatro descontos apontados pela CGU, disse que Já foram auditados por amostragem e que "foi usada uma amostra não significativa de apenas quatro pessoas".

29. Abrapps (Associação Brasileira de Aposentados e Pensionistas da Previdência Social). Procurada, a associação não se manifestou sobre o único caso suspeito relatado pela Controladoria.

30. FITF/CNTT/CUT (Federação Interestadual dos Trabalhadores Ferroviários da CUT). Também suspeita de uma irregularidade, a federação não se manifestou.

31. Sintapi/CUT (Sindicato Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos). O site do sindicato não possui canal de comunicação nem com o associado nem com a imprensa. Ela é suspeita de efetuar um desconto indevido.

A investigação

A CGU iniciou a apuração em 2023, e acionou a PF em 2024 ao encontrar indícios de crime. Em resposta, o governo federal determinou a suspensão de todos os acordos com as entidades envolvidas e orientou que os beneficiários lesados a recorrem ao portal ou aplicativo Meu INSS para pedir a exclusão do desconto.

Os desvios podem chegar a R$ 6,3 bilhões, segundo os investigadores. Em muitos dos casos, as associações falsificavam a assinatura de seus associados. Como descobrir se perdi dinheiro? Para saber se teve algum valor descontado, o aposentado ou pensionista precisa verificar o extrato do INSS. Esta reportagem explica o passo a passo.

Com informações do Portal UOL