Publicado em 31/08/2023 às 10:30, Atualizado em 31/08/2023 às 10:49

MPF denuncia ex-legistas por falsificação de laudos durante ditadura

Redação,

O MPF (Ministério Público Federal) denunciou à Justiça na última segunda-feira, dia 28 de agosto, dois legistas que trabalharam no IML (Instituto Médico Legal) de São Paulo durante a ditadura militar (1964-1985) por falsificação de laudos necroscópicos e ocultação de cadáver praticados em 1973.

Segundo o procurador Andrey Borges de Mendonça, os médicos Harry Shibata e Antônio Valentini omitiram informações relevantes e inseriram declarações falsas nos laudos de exame necroscópicos de dois opositores do regime antidemocrático, com intuito de ocultar torturas praticas pelo Estado.

As vítimas eram Sônia Maria de Moraes Angel Jones e Antônio Carlos Bicalho Lana, membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL) mortos no final de 1973.

Sônia era casada com um militante político e aluna da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual foi expulsa em 1969, por sua conexão com opositores do regime vigente. No ano seguinte, se exilou na França, retornando clandestinamente ao Brasil em 1973, após ter conhecimento que seu marido havia sido torturado e morto. Então, se juntou à ANL e passou a utilizar o nome Esmeralda.

Lana foi um dos dirigentes da ANL, integrando diversas ações da aliança, de modo a se tornar um grande alvo dos militares. Foi na militância que conheceu Sônia, com quem se mudou para um apartamento em São Vicente, no litoral de São Paulo, no ano em que foram capturados e mortos.

A narrativa oficial divulgada pelos órgãos de segurança em 30 de novembro de 1973 era a de que ambos teriam morrido em um tiroteio no bairro de Santo Amaro, na Zona Sul da capital paulista.

Contudo, no relatório do MPF, o procurador explica que evidências coletadas ao longo de anos refutam essa versão, restando outras duas. A primeira, fornecida à família de Sônia por um parente que comandava um órgão de repressão estatal em Brasília — amigo do coronel Brilhante Ustra. A segunda, obtida por meio de depoimentos de testemunhas.

"Em comum, em ambas o casal é violentamente torturado e morto pelos agentes da repressão", afirma o procurador. Segundo ele, a hipótese mais provável é a de que o casal tenha sido levado ao DOI-Codi, um centro clandestino de tortura na Zona Sul de São Paulo, onde teriam sido torturados e, posteriormente, executados a tiros.

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Laudos

Apesar de mortos em 1973, conforme a própria ditadura militar anunciou na época, os laudos necroscópicos de Sônia e Lana só foram registrados em dezembro do ano seguinte, assinados por Harry Shibata e Antônio Valentino, respectivamente.

Nos dois casos, não há menção a evidências de tortura, e os legistas responsáveis afirmam que abriram os crânios das vítimas para basear suas análises. Porém, anos depois, os corpos foram exumados, e a caixa encefálica de ambos estava intacta, sem sinais de abertura.

Segundo o MPF, nos documentos de requisição dos exames necroscópicos constam a grafia da letra "T", que seria utilizada para indicar opositores da ditadura ou "terroristas", como eram chamados pelo Estado, numa alusão à necessidade de manipulação dos registros.

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Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI Perus) da Câmara Municipal de São Paulo, em 1990, o legista Harry Shibata afirmou que apenas inseriu a informação de que o crânio de Sônia havia sido aberto por uma questão de praxe.

Os laudos também são questionados por peritos, que apontam erros na descrição dos ferimentos e nos procedimentos adotados na elaboração dos exames.

De acordo com o Ministério Público Federal, Shibata também participou deliberadamente na ocultação do cadáver de Sônia, ao permitir que o atestado de óbito fosse registrado com o nome falso utilizado por ela — Esmeralda —, mesmo tendo conhecimento de sua verdadeira identidade, impossibilitando que a família da vítima localizasse o corpo, o que só ocorreu em 1991.

O procurador destaca que Harry Shibata foi diretor do IML entre 1976 e 1983, além de ter recebido uma condecoração do estado em 1977 que usualmente era destinada a militares e aliados da ditadura.

O representante do MPF pede que sejam levados em consideração na formulação da pena de ambos, se condenados, agravantes previstos na antiga redação do Código Penal, como "motivo torpe", "prática de crime para assegurar a ocultação e impunidade de outro crime", e "abuso de poder e violação de dever inerente a cargo e ofício".

Fonte - G1