Publicado em 13/12/2017 às 15:00, Atualizado em 13/12/2017 às 11:52
O relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais, divulgado nesta quarta-feira (13), afirma ser provável que o presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) tenha morrido em um atentado político.
Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade concluiu que a morte foi acidental, discordando das comissões da verdade da cidade e do Estado de São Paulo, que apontaram ter havido assassinato.
Os membros da comissão mineira compararam os estudos das três comissões anteriores para concluir que "com as pesquisas e investigações realizadas até hoje permanecem controversas e pouco claras as circunstâncias" da morte de JK e de seu motorista.
Em agosto de 1976, o Opala conduzido por Geraldo Ribeiro, motorista de JK, bateu em uma carreta em Resende (RJ), no trajeto do Rio a São Paulo. Os dois morreram no local. Durante o período militar, Juscelino teve seu mandato de senador cassado, viveu exilado e chegou a ser preso.
"Considerando o contexto da época, as distintas contradições das avaliações periciais, os depoimentos e pareceres jurídicos pode-se afirmar que é plausível, provável e possível que as mortes tenham ocorrido devido a atentado político", afirma o relatório.
A Comissão da Verdade de Minas, criada em 2013 para investigar violações de direitos humanos no Estado entre 1964 e 1988, trata ainda de outros políticos mineiros presos e torturados durante a ditadura militar (1964-1985).
O relatório anexa fichas do Dops (Departamento de Ordem e Política Social) da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), do governador de Minas, Fernando Pimentel (PT), e do ex-prefeito de Belo Horizonte Márcio Lacerda (PSB).
Os três estiveram presos no Presídio de Linhares, em Juiz de Fora (MG), por integrarem movimentos estudantis de resistência aos militares. Além da repressão aos estudantes, a comissão detalha desaparecimentos, mortes e tortura de camponeses, sindicalistas, trabalhadores urbanos, indígenas, políticos e servidores públicos.
Em relação à censura, um dos casos narrados é o da entrevista do ex-vice-presidente da República Pedro Aleixo à revista "Veja", censurada em 1975. Seis anos antes, o político mineiro fora impedido de assumir a Presidência quando Artur da Costa e Silva foi afastado por doença.
O jornalista Carlos Lindenberg relatou o episódio de censura prévia à comissão e mostrou os trechos vetados da entrevista, como uma frase em que Aleixo diz que o retorno ao Estado de Direito não dependia de reformas.
ÍNDIOS
Esmiuçado em mais de 1.700 páginas, o relatório conta, por exemplo, como a Guarda Rural Indígena (Grin), criada em 1969 e formada por índios, serviu para reprimir os próprios povos indígenas, que eram levados para o Reformatório Krenak, em Resplendor (MG), e para a Colônia Agrícola Indígena Guarani, em Carmésia (MG), por cometerem supostas infrações ou por reivindicar terras.
A tropa da Grin, organizada pelo capitão da Polícia Militar de Minas Manoel dos Santos Pinheiro, foi treinada, fardada e armada para exercer a repressão nas aldeias e tinha o apoio do então presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), José de Queiroz Campos.
"A guarda era composta por várias etnias para poder fazer contato com muitas tribos. Sua atuação atingiu outros Estados. Era uma demonstração de força e de poder, para que a grilagem pudesse ocorrer a nível nacional", diz o pesquisador Paulo Moreira, que coordenou o capítulo sobre os índios.
O confinamento de etnias diferentes no reformatório ou na fazenda Guarani provocava aculturação e quebrava a hierarquia observada nas tribos.
"Aquilo que foi feito na escravidão, que quando chegavam os escravos de mesma cultura, eles eram dispersados, havia com a questão indígena. Eles não podiam fazer seus ritos e falar sua língua, isso era proibido por essa atitude militarista."
RESPONSABILIZAÇÃO
Como não tem poder de Justiça, a comissão deixa uma série de recomendações a órgãos estatais no sentido de dar publicidade às pesquisas, homenagear vítimas e responsabilizar os agentes da ditadura.
"As recomendações são para que o Estado possa mitigar setores que ainda praticam a violência institucional, como as ações policiais, o sistema prisional, o sistema socioeducativo. De alguma forma, as atitudes arbitrárias do Estado que aconteceram durante a ditadura ainda persistem", afirma Robson Souza, coordenador-geral da comissão.
Souza diz que a comissão buscou ampliar o escopo da responsabilização do Estado, incluindo casos de conivência ou omissão quando as violações eram praticados por agentes privados.
"Tradicionalmente, as comissões da verdade têm atuado em relação a graves violações envolvendo agentes públicos. Mas há uma grande legislação internacional, e o Brasil ratifica essas convenções, que considera que, nos períodos de exceção, uma série de outros agentes, para além dos estatais, colaboram com violações aos direitos", diz.
É, por exemplo, o caso do massacre de Ipatinga (MG), ocorrido ainda em 1963. Trabalhadores da Usiminas se rebelaram após a prisão de um deles por um dos vigilantes da empresa. A polícia disparou contra uma multidão na porta da siderúrgica e oito pessoas morreram.
A ação de entes privados incluiu empresas de agronegócio, mineração, siderurgia e também coronéis do interior.
Segundo Souza, "várias empresas se aproveitaram da situação de exceção e de um discurso desenvolvimentista do período ditatorial para violar direitos de trabalhadores rurais, urbanos e indígenas".
"Esse tipo de resgate da memória, com a comprovação dos vários tentáculos do regime ditatorial, sinaliza aos Poderes que, sem o Brasil fazer uma prestação de contas com o seu passado, não há como falar de democracia no presente e no futuro."
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