Publicado em 12/05/2024 às 14:30, Atualizado em 12/05/2024 às 15:05
Governo Lula diz que obra representa cumprimento de acordo centenário e fortalecerá integração na América do Sul
O governo brasileiro deve tirar do papel nos próximos meses o projeto de uma ponte que vai ligar Rondônia ao território da Bolívia. O empreendimento é uma demanda histórica que contemplará, ao menos em parte, os acordos previstos no Tratado de Petrópolis, firmado em 1903 durante a compra do Acre pelo Brasil.
A Ponte Internacional de Guajará-Mirim terá 1,2 km de extensão e será construída sobre o rio Mamoré, conectando as cidades de Guajará-Mirim, em Rondônia, e Guayaramerín, na Bolívia. A obra faz parte do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e, segundo o governo brasileiro, fortalecerá a integração na América do Sul.
Trata-se de mais uma conexão terrestre do Brasil com seus vizinhos. No total, segundo o governo, o país tem 12 pontes binacionais --duas estão em construção e outras três são planejadas.
A mais conhecida é a Ponte Internacional da Amizade, na fronteira entre o Brasil e o Paraguai. Existem também estruturas que conectam cidades brasileiras a Guiana Francesa, Guiana, Peru, Uruguai, Argentina, além da própria Bolívia.
A última inauguração de uma ponte binacional aconteceu em 2017, sob o governo de Michel Temer. Mas a construção da estrutura, que liga Brasil à Guiana Francesa, tinha sido determinada pelo governo Lula, à época em seu segundo mandato, em 2008, após acordo com o então presidente francês, Nicolas Sarkozy.
No lançamento do edital da ponte de Guajará-Mirim, em 2023, o ministro dos Transportes, Renan Filho, afirmou que a nova estrutura facilitará o acesso do Brasil ao oceano Pacífico, uma vez que mercadorias vão atravessar a Bolívia para alcançar portos no Peru e no Chile. Em tese, a produção brasileira poderia ser escoada para outros continentes com custos menores. O processo de licitação foi lançado em novembro.
Do lado boliviano, os produtores passarão a contar com um corredor logístico para o oceano Atlântico, uma das promessas do Tratado de Petrópolis. "É uma dívida de mais de cem anos do governo brasileiro com a Bolívia. E ao permitir a integração dos países, a ponte também vai desenvolver a região", afirmou a secretária nacional de Transportes Terrestres, Viviane Esse.
A previsão é de que as obras comecem em 2025 e sejam concluídas em 2027, após 36 meses, com custo inicial de R$ 300 milhões para o governo brasileiro --além da ponte, também estão previstos a instalação de uma aduana e a construção de acessos viários.
O acordo firmado para a construção da estrutura é de 2007, durante o governo Lula 2, mas nunca saiu do papel. O projeto foi elaborado em 2015 pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e atualizado em 2023.
O Tratado de Petrópolis assegurou no começo do século 20 a anexação do Acre pelo Brasil. Em troca, o governo brasileiro teve de pagar dois milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 2 bilhões, em valores atualizados), construir a estrada de ferro Madeira-Mamoré, que facilitaria o escoamento das exportações bolivianas, além de ceder áreas do Mato Grosso ao país vizinho.
Mais de cem anos depois, ainda reverbera na Bolívia a sensação de que as autoridades da época fizeram um mau negócio. Em 2006, o então presidente Evo Morales chegou a dizer que lamentava o fato de que o Acre havia sido trocado por um cavalo, valendo-se de um mito para criticar o acordo.
Mais do que consolidar o Tratado de Petrópolis e aparar rusgas históricas, a construção da ponte pode alavancar negócios e ainda sinaliza esforços concretos para aproximar e fortalecer a região, afirma Regiane Bressan, professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista em integração da América Latina.
"Não existe vácuo nas relações internacionais. Se o Brasil não tomar esse espaço, outro país poderia fazê-lo. A China, por exemplo, está cada vez mais presente na região, inclusive com investimentos em infraestrutura", diz ela. "É de interesse de Pequim ter acesso às matérias-primas da Bolívia."
Segundo o ministro de Obras Públicas boliviano, Edgar Montaño, a obra facilitará a importação de lítio, usado em baterias, e de produtos para a agricultura pelo Brasil. Já as mercadorias brasileiras poderão ter como destino o complexo portuário de Chancay, no Peru, que está sendo construído a 80 km da capital Lima com capital chinês em sua maior parte.
Investimentos do tipo ainda ajudam a aliviar tensões na região, acrescenta Bressan. Nos últimos meses, a América Latina tem enfrentado um momento turbulento, com atritos entre governos de diferentes países.
O atual presidente boliviano é Luis Arce, que virou alvo de críticas de Morales, ainda que ambos sejam do mesmo partido.
Para Roberto Rodolfo Georg Uebel, professor de relações internacionais da ESPM que pesquisa negócios internacionais, o governo Lula tem uma visão pragmática acerca da obra. "O atual governo mantém relações com Javier Milei [presidente da Argentina], com Nicolás Maduro [ditador da Venezuela] e com aquele que for eleito na Bolívia", diz. "E tenta retomar a integração sul-americana, algo que praticamente havia se perdido desde o governo de Dilma 2 [2015 e 2016]."
Ainda que possa impulsionar o comércio, a Ponte Internacional de Guajará-Mirim é alvo de críticas e de questionamentos. De acordo com o site InfoAmazônia, a ponte será construída em uma das regiões mais desmatadas da Amazônia, próxima de terras indígenas e de unidades de conservação.
Em nota, o DNIT disse que novos estudos ambientais ainda vão ser elaborados e que, a partir do material, serão conhecidos os impactos e definidas medidas para mitigação deles.
*Informações da Folhapress