Criticado pelo superministro da Economia, Paulo Guedes, o patrocínio da Caixa Econômica Federal ao esporte representa cerca de 26% da verba de publicidade do banco estatal. Os números foram levantados em uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) concluída em dezembro. O relatório aponta que, entre 2012 e 2016, a Caixa destinou R$ 3,85 bilhões a publicidade e propaganda. O montante reservado a patrocínios esportivos foi de aproximadamente R$ 1 bilhão, segundo o TCU.
Para o futebol, especificamente, alvo principal de Guedes, a porcentagem é menor. O levantamento do TCU não fez esse detalhamento, mas em 2018 cerca de 63% de tudo que foi gasto pela Caixa com patrocínio esportivo chegou a clubes e confederações de futebol. Os números são da própria Caixa.
Dez campeonatos e 24 clubes receberam R$ 138,7 milhões no ano passado. Confederações olímpicas, o comitê paraolímpico (CPB), as duas ligas nacionais de basquete, corridas, ações sociais e "eventos de oportunidade" levaram R$ 78,8 milhões.
Caso a média de R$ 771 milhões em publicidade ao ano (referente ao período entre 2012 e 2016) tenha sido mantida em 2018, então no ano passado o futebol representou apenas 17% do investimento do banco estatal em propaganda. Sozinhos, cinco clubes (Flamengo, Santos, Botafogo, Cruzeiro e Atlético-MG) ficaram com quase metade desse montante ao futebol.
O patrocínio a clubes de futebol é uma política comercial da Caixa que começou a se desenvolver em 2012, quando seus concorrentes já estavam bem estabelecidos no esporte. O Itaú, patrocinador oficial da Copa do Mundo, e o Bradesco, patrocinador oficial da Rio-2016, sufocaram outros bancos, que tiveram que buscar alternativas. O Santander apostou na Libertadores, em Neymar e em Pelé, além da Fórmula 1. A Caixa foi para a camisa dos clubes. O Banco do Brasil, já forte no vôlei, avançou sobre o handebol.
Desde então, de acordo com o levantamento do blog do Rodrigo Mattos, o investimento da Caixa em camisas de clubes de futebol acumulou R$ 663,6 milhões nos últimos sete anos. Foram R$ 5,8 milhões no primeiro ano e um recorde de R$ 145,8 milhões em 2017, último ano na camisa do Corinthians. No ano passado, o montante caiu para R$ 127,8 milhões.
Pelo que a Caixa informou em relatório de 2015, o retorno de mídia daquele ano foi aproximadamente cinco vezes o valor total investido no futebol, isso sem levar em conta a audiência da "fase final do Campeonato Brasileiro séries A e B" – nos últimos três meses do ano. "Fica evidente a excelente relação custo benefício dos patrocínios e reforça a importância de sua continuidade e os benefícios a serem alcançados com sua ampliação", apontou, na ocasião, a diretoria de marketing.
Em novembro passado, após analisarem centenas de documentos, os ministros do TCU recomendaram à Caixa e à Secom não que cancelem os patrocínios aos clubes de futebol, mas que se articulem e criem um grupo de trabalho para "desenvolver e/ou adotar uma política e/ou metodologia de precificação que seja capaz de amparar a análise sobre a adequação do valor dos contratos de patrocínio a partir da expectativa de atingimento dos objetivos da instituição financeira".
Como são os contratos
Os contratos de patrocínio de empresas estatais são regidos por uma Instrução Normativa (IN) da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, cuja versão mais recente é de dezembro de 2014. Ali, aparece o seguinte artigo: "Para a prestação de contas do patrocínio, o patrocinador exigirá do patrocinado, exclusivamente, a comprovação da realização da iniciativa patrocinada e das contrapartidas previstas no contrato".
Não é coincidência que a medida tenha sido tomada exatamente em um momento em que o governo incentivava o patrocínio de estatais ao esporte, seja pelo Plano Brasil Medalhas (com estatais patrocinando confederações), seja com a postura cada vez mais agressiva da Caixa no futebol. Como mostrou o Olhar Olímpico em fevereiro do ano passado, a Instrução Normativa fez com que diversas estatais deixassem de exigir comprovantes de despesas na prestação de contas do contrato.
A Caixa foi uma delas. Nos contratos, o banco estatal passou adotar critérios de exposição de marca como principal mecanismo de contrapartida. São detalhadas quantas vezes vezes a marca deve aparecer em backdrops e em placas publicitárias, por exemplo. Para mensurar o retorno de exposição de mídia, a Caixa, como a ampla maioria dos patrocinadores do esporte brasileiro, contrata um relatório da Ibope/Repucom.
Esses relatórios, feitos por analistas que cortam frames de transmissões televisivas e "recortam" as marcas exibidas, são considerados segredo comercial. Por isso, mesmo quando o pedido é feito por Lei de Acesso à Informação, o banco costuma restringir fortemente os números que podem ser acessados. Este repórter já passou por isso, podendo acessar apenas uma parte pequena do mais recente contrato de patrocínio ao Brasileiro Feminino.
O que o TCU descobriu
O Tribunal de Contas da União (TCU), porém, teve acesso a esses documentos. O relatório de auditoria foi classificado como "restrito", por conter informações que o banco considera sigilosas, mas parte dele é citada em acórdão publicado no fim do ano passado.
Esse acórdão critica os critérios "subjetivos" adotados pelo banco. "(No planejamento das ações de 2016 da Caixa no futebol) não há explicação de como a conta é feita, qual o peso de cada elemento na valoração das propostas, o que demonstra que há um elevado grau de subjetivismo nessa análise, fato que pode ensejar favorecimentos", escreve a Secretaria de Controle Externo da Fazenda Nacional (SecexFazenda), unidade técnica responsável pelo relatório.
Dentro do banco, segundo o TCU, os relatórios são superficiais. Sempre de acordo com o tribunal, os relatórios de avaliação do retorno do Flamengo referentes aos exercícios de 2015 e 2016 são idênticos. "Da mesma forma, não se observa avaliação de retorno individualizada a partir de cada objetivo de comunicação previsto com a contratação. O relatório, ao invés de apresentar a avaliação dos resultados alcançados, traz os mesmos argumentos utilizados como justificativas para contratar o patrocínio, como tamanho da torcida, força da marca, exposição na mídia", escreveu a SecexFazenda.
O relatório critica o fato de a Caixa não utilizar métricas eficientes de precificação dos patrocínios. "Na descrição, verifica-se que a Caixa utiliza diversas variáveis para se precificar os contratos de patrocínio. No entanto, em que pese a utilização dessas variáveis, não resta claro como são feitos os cálculos, tampouco o peso de cada variável na composição do preço."
A auditoria encomendada pelo TCU incluiu o destrinchamento dos contratos de apenas dois clubes: Flamengo e Corinthians. Sobre a renovação do contrato com o time paulistano em 2016, escreve a unidade técnica: "Verificam-se, nas justificativas, que a decisão pela aprovação do patrocínio considerou variáveis como: tamanho da torcida, dados do relatório Ibope/Repucom acerca de valores de exposição da marca na mídia, média de pagantes nos estádios e número de sócio-torcedores. Embora a decisão tenha se pautado por esses dados, não há no documento um memorial de cálculo ou fórmula, enfim, critérios objetivos, que permitam chegar no valor de R$ 30 milhões para a patrocinada".
O que o TCU determinou
A grosso modo, as críticas do TCU são de teor semelhante às feitas ao longo dos anos por aqueles contrários à estratégia da Caixa no futebol. São essas críticas que respaldam a decisão do governo federal, já anunciada por Guedes, de encerrar o patrocínio aos clubes de futebol.
O TCU, porém, fez determinações no ano passado não no sentido de romper os patrocínios. Mas de regulá-los. No acórdão do último dia 28 de novembro, os ministros determinaram à Caixa que ela, entre outras coisas, "atribua em seu normativo que trata dos patrocínios o caráter obrigatório de observância dos critérios de seleção estabelecidos pela entidade" e "adote as medidas necessárias para que os mecanismos de mensuração de retorno dos patrocínios concedidos pela instituição permitam aferir a relação custo-benefício resultante da ação".
Além disso, o TCU determinou que a Caixa "adote os procedimentos necessários para que seus normativos internos passem a compreender a obrigatoriedade de evidenciação expressa dos critérios de seleção que venham a ser adotados em cada contrato de patrocínio firmado, com vistas a promover a objetividade e a impessoalidade nos referidos processos seletivos" e "adote os procedimentos de elaboração e regulamentação normativas necessários para que os critérios definidos para a seleção de modalidades e entidades/projetos a serem objeto de contratos de patrocínio de modo a possibilitar a devida evidenciação da objetividade e impessoalidade de cada escolha, por ocasião de sua implementação pelos agentes responsáveis pelo referido processo de seleção."
Patrocínios pagos em 2018
R$ 25 milhões – Flamengo
R$ 10 milhões – Santos, Botafogo, Atlético-MG e Cruzeiro (este teve R$ 800 mil de bônus por título)
R$ 6 milhões – Bahia, Vitória, Athletico (R$ 800 mil de bônus)
R$ 4 milhões – América-MG e Ceará
R$ 3,5 milhões – Paraná
R$ 3 milhões – Coritiba
R$ 2,8 milhões – Sport
R$ 2,4 milhões – Fortaleza (R$ 800 mil), Atlético-GO, Goiás, Vila Nova, Avaí e Ponte Preta
R$ 2,0 milhões – Sampaio Corrêa (R$ 400 mil) e Paysandu (R$ 300 mil)
R$ 1,5 milhões – CRB, CSA, Londrina, Criciúma
Patrocínios a campeonatos
Copa Verde – R$ 2 milhões
Copa do Nordeste – R$ 3,4 milhões
Séries B e C – R$ 2,2 milhões
Sergipano – R$ 900 mil
Paraibano, Potiguar e Piauiense – R$ 500 mil
Sul-Matogrossense – R$ 400 mil
Copa Espírito Santo – R$ 300 mil
Rondoniense – R$ 200 mil
Fote - UOL
Comentários
Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.