Buscar

26/06/2023 às 12:31, Atualizado em 26/06/2023 às 12:30

Aparelho aprovado pela Anvisa pode salvar vida de bebês prematuros

Na sala de parto, a identificação da idade gestacional de um bebê prematuro é determinante para salvar uma vida. A atuação médica a partir do nascimento depende de saber quantas semanas a criança atingiu na barriga da mãe antes de vir ao mundo.

“A primeira coisa a saber é qual idade gestacional do bebê porque os protocolos são feitos em função da idade. Se for 34 semanas, é um jeito; 35, é outro; 33”, explica o astrofísico e pesquisador Rodney Guimarães.

Atento a esse detalhe essencial, o pesquisador, por meio de uma start-up, desenvolveu o dispositivo batizado Premiee-Test, distribuído no Brasil por uma empresa de Ribeirão Preto. O trabalho recém-aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi feito em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Ele determina, de forma quase instantânea, a idade gestacional e a maturidade pulmonar de recém-nascidos prematuros.

Números da prematuridade

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), bebês que nascem antes de completar a 37ª semana de gestação são considerados prematuros.

De acordo com a Fiocruz, a idade gestacional é desconhecida ou imprecisa em cerca de 55% dos 3 milhões de partos realizados anualmente no Brasil.

Isso acontece por falta de ultrassom obstétrico que precisa ser realizado antes da 14ª semana de gestação.

Apesar de o exame ser considerado obrigatório, na realidade, não são todas as mães que têm acompanhamento pré-natal adequado.

“Para se ter uma ideia, no Amazonas, se você quiser fazer um ultrassom neonatal, só tem em Manaus. Imagina se você é uma ribeirinha e, até chegar na capital, são 12 dias de barco”, exemplifica Guimarães.

Infelizmente, a insuficiência no atendimento a gestantes é uma realidade brasileira, como aponta Everton Buzzo, diretor de marketing e inovação da Olidef, empresa ribeirão-pretana que desenvolveu o dispositivo.

“Isso acontece em várias cidades pequenas, dos rincões brasileiros e do mundo”, afirma.

Segundo Buzzo, o Premiee-Test pode ser usado por profissionais de saúde, independentemente de suas formações: podem ser parteiras, médicos obstetras ou neonatologistas.

Por isso, a meta de Guimarães ao unir forças com a empresa é bem definida.

“Nosso objetivo hoje é fazer a distribuição desse equipamento em todo o cenário de parto no Brasil todo, seja ele de baixa ou alta complexidade”, diz o pesquisador.

Como é feito o teste de idade gestacional?

O Premiee-Test é um pouco maior que uma caneta esferográfica, um tamanho que pode, facilmente, caber no bolso de um jaleco. Ele usa um algoritmo de inteligência artificial e luz de LED para analisar a reflexão e a absorção da luz na pele do recém-nascido.

O aparelho tem um único botão para ligar e desligar. Uma vez ligado, o usuário precisa decidir o idioma: o teste está disponível em português, inglês e espanhol. Em seguida, já é possível realizar a medição.

Para fazer a medição, basta pressionar a ponta do aparelho, por onde sai a luz, no pé do recém-nascido. O aparelho deve sempre ficar em contato com a pele da criança e perpendicular ao pé.

O resto do procedimento é automático: o dispositivo vai pedir três medições, número que os médicos já estão bem familiarizados. Mas, na verdade, o Premiee faz dez medições a cada vez, ou seja, são 30 medições. Tudo para garantir uma boa estatística.

Em seguida, o aparelho vai pedir o peso do bebê em gramas e vai perguntar se a mãe usou corticosteroide, medicamentos mais fortes disponíveis para reduzir a inflamação no corpo e podem ser usados em mães que sejam obesas, hipertensas ou diabéticas, características que indicam uma gravidez de risco. Nesta etapa, é possível selecionar “sem informação”.

Por fim, o dispositivo pede para que o usuário valide as informações e, finalmente, aponta a idade gestacional.

Como é feito o teste de maturidade pulmonar?

O Premiee-Test não mede só a idade gestacional, mas também a maturidade pulmonar dos recém-nascidos. Ou seja, mesmo em casos de mães que tiveram o pré-natal adequado e os médicos têm certeza da etapa em que a gestação está, o aparelho ainda pode ser usado não apenas para validar o conhecimento, mas para trazer uma informação importantíssima.

No display, o usuário pode optar por conferir se o bebê precisa de suporte respiratório, se ele tem síndrome de desconforto respiratório ou se é indicado que ele vá para a UTI. A decisão final é sempre do médico, mas o aparelho vai indicar as probabilidades.

Sem o aparelho, esse diagnóstico requer um neonatologista, pediatra especializado em recém-nascido até 28 dias, e um raio-x.

“É legal fazer um raio-x em um bebê de 500 gramas? Não, não é. A maior parte das incubadoras não tem essa facilidade, e mesmo assim, demora, leva o raio-x, traz o raio x, revela, traz a imagem. Aqui a gente faz em 30 segundos”, explica Guimarães.

Esses 30 segundos são valiosíssimos.

“Se o bebê nasce e não respira, você tem que ressuscitar a criança. Você tem um minuto pra isso. Mesmo assim, quanto antes você fizer, melhor, porque causa menos danos ao cérebro, que vai estar sem oxigênio”, diz o pesquisador.

Pele e pulmão

O equipamento vai medir a maturidade da pele do bebê, que costuma estar desenvolvida por volta da 38ª semana. A pele, lembra Guimarães, é o maior órgão do corpo humano e protege a troca de calor, que é extremamente importante.

“Hipotermia é uma coisa muito grave em bebês. Nesse caso, o bebê nasce com, mais ou menos, 35º C. Por isso é extremamente importante a gente saber se a pele está madura ou não e relacionar isso com a maturidade do órgão mais importante, que é o pulmão”, explica o astrofísico.

O pesquisador explica que o pulmão do bebê é o último órgão a ser desenvolvido na gestação, e não é utilizado até que a criança nasça, pois dentro do útero ele não é necessário.

“Se o pulmão está desenvolvido, tudo está desenvolvido. Mas se não estiver, é a hora mais importante, a gente precisa tomar cuidado e ter a atenção devida e essa criança para que o pulmão se desenvolva bem”, afirma Guimarães.

Precisão e IA

Determinar a idade gestacional por meio de ultrassom requer, em primeiro lugar, bons exames de imagem e uma medida precisa do comprimento entre a cabeça e a nádega do bebê.

Porém, durante os estudos de exames feitos em vários lugares do Brasil, a equipe de pesquisadores percebeu que 20% das medidas estavam erradas. O Premiee-Test, por sua vez, tem uma precisão de 90%.

“As medidas são feitas por um equipamento que se você fizer mil vezes, ele vai dar mil vezes o mesmo resultado, ou muito parecido. Ele não depende se você acordou bem, se você enxergou direito, se está usando óculos ou não, ou se aquela mãe é rica ou pobre”, explica Guimarães.

Para medir a idade gestacional e a maturidade pulmonar, o aparelho usa inteligência artificial. A escolha pela IA foi para que o aparelho pudesse se autotreinar. “Ela é treinada para dar uma resposta correta, e esse treino vai ser tão melhor quanto mais bebês e tipos de bebês eu tiver”, diz o astrofísico.

É claro que, como todo e qualquer aparelho, o Premiee-Test tem suas limitações: a medição tem que ser feita de forma perpendicular, no pé da criança, conforme explica o manual do usuário, e em bebês que não possuam má-formação.

Mas são as limitações que orientam os próximos passos. “Se a gente treinar a inteligência artificial, eu consigo aumentar a capacidade que esse equipamento tem de conhecer isso. Mas aí eu vou ter que fazer outro estudo que, provavelmente, a gente vai começar em agosto”, diz Guimarães.

No mercado

Recém aprovado pela Anvisa, o Premiee-Test chega ao mercado com um custo de aproximadamente R$ 20 mil. O valor pode assustar o consumidor comum, mas não a área médica, onde um dia de internação na UTI pode chegar a R$ 9 mil.

O preço também está relacionado à fabricação do aparelho que, por enquanto, é feita na Europa.

A intenção de Guimarães ao criá-lo não era apenas a de ficar restrito a hospitais. Na África, por exemplo, parteiras de uma ONG da Etiópia que tiveram acesso ao teste já o consideram um ‘game changer’, ou seja, algo que pode mudar o jogo.

Agora, representantes comerciais estão em contato com secretarias de saúde de todo o Brasil para incorporar o Premiee-Test ao SUS. Um desses contatos é justamente com o Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto.

O objetivo é que o dispositivo fique mais barato com o tempo, já que a ideia é passar a fabricá-lo no Brasil. Quando isso for possível, o valor final deve cair pela metade.

Fonte - G 1

Comentários

Os comentários são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião deste site.